sexta-feira, 31 de dezembro de 2010



Já faz um tempo que não faço mais balanço dos anos que tenho vivido. Isso pode parecer uma tentativa de tirar onda de homem vivido! Quem dera fosse! Não sou velho, nem moço, não estou em conflito com nada dentro ou fora de mim. Não me sinto suprido, nem carente de nada que me faria melhor ou pior do que já sou. O que mudou no entanto, foi o itinerário, se antes a velocidade era pela vontade de chegar rápido nalgum lugar seguro, hoje, é apenas pelo prazer de sentir o vento na cara.
O fim das coisas não passa de uma percepção equivocada de como estas trafegam pelo tempo. O medo de experimentar esse “equívoco” e o desejo ilusório de que aquilo que nos fazem bem permaneça quase imutável, é que não deixa ninguém aceitar o fato de que toda existência é transitória, um autodeletável “arquivo ponto temp”.


"So you think you can tell heaven from Hell?"

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Ilustração: Jimmy Tan
Se algum um dia tiver curiosidade de saber o tamanho do seu medo, será preciso que faça uma lista das coisas e pessoas que imagina serem tuas e que enlouquecerias só de pensar em perdê-las inesperadamente. Quanto mais itens estimados adicionar a esta lista, maior será o tamanho do seu medo. Só quem não tem nada a perder é que pode se dar ao luxo de usufruir da estranha graça de jamais sentir medo.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O uso eficaz da ironia requer um golpe rápido, bem calculado, sobretudo, com a força certa. Se dado com pouca força, corre-se o risco do resultado perder o efeito ácido desejado e pior: virar uma bobagem sem criatividade. Se aplicado com força demais, vira uma terrível crueldade.



Afiada como uma Hattori Hanzo: Beatrix Kiddo é a sacerdotisa da ironia fina.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Foi uma bacante Calcanhoto quem primeiro veio com essa! Então, mulheres do Chico, deuses do Gil e blues do Djavan, me perdoem se puderem, mas é simplesmente uma delícia comer o Caetano!

Nosso amor
Não deu certo
Gargalhadas e lágrimas
De perto
Fomos quase nada
Tipo de amor
Que não pode dar certo
Na luz da manhã
E desperdiçamos
Os blues do Djavan...



Demasiadas palavras
Fraco impulso de vida
Travada a mente na ideologia
E o corpo não agia
Como se o coração
Tivesse antes que optar
Entre o inseto e o inseticida...

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Passava já da meia-noite quando bateu a descompensada. Foi relativamente rápida, mas havia um “led” aceso nela, uma incômoda memória ativada. Quis dar um nome menos formal àquilo, sem torná-la intima demais ou até mesmo de estimação. Primeiro tentei “sofrimento”, mas não era tão enorme assim. Experimentei em seguida “falta de paz” e senti que isso não a definia com honestidade, pois ainda que não seja muito, há aqui dentro uma dose racionada disso como parte do suprimento. Imaginei que “dor” seria uma boa palavra para resolver de vez o problema, mas esta também não coube, pois se houve dor um dia, certamente já havia cessado. Por fim desisti depois de chegar à conclusão que não encontraria uma palavra para descrever o breve mal estar sentido. Optei por me render ao silêncio, especificamente nesse caso, uma absoluta ausência de qualquer reverberação de pensamento, o que me possibilitou a partir daquele momento adormecer e chegar à manhã seguinte, sem nenhum resíduo do que me acontecera horas antes.


“Representar é uma boa saída, mesmo quando isso não ajuda muito.”

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A resistência em oposição ao preestabelecido é uma empreitada bem antiga, principalmente nas três primeiras décadas de vida de uma alma corsária. É um pouco mais tarde, porém, que dependendo de como se liquidifica a informação acumulada nos anos do front, que se faz necessário repensar antigas posições. Quando isso ocorre, dissidência e apostasia farão parte de uma nova posição ao se perceber que a rebelião já não funciona mais como antes, num mundo que tende a se renovar sempre.
Em plena era do egomarketing, pode ser uma boa questionar se a bandeira levantada nos Facebooks ou Twitters da vida é de fato um modo de vida ou apenas uma manobra poser autopromocional para se afirmar como membro efetivo de uma confraria que diz contestar algum establishment apenas porque está na moda. Isso pode se tornar tão surreal, que afirmar numa rede social qualquer, não seguir moda nenhuma, pode ser uma forma eficiente de criar uma nova moda, a "moda dos que não seguem a moda”!
Por isso o mercado hoje tem tanta facilidade em aliciar rebeldes, comprar a revolução criada por eles e fazer dela um produto capitalista, midiático, com potencial para render bilhões, como aconteceu com o Napster nos anos 90 e quem sabe aconteça um dia com o clã do Julian, tão logo fique definido na praça quanto vale o Wikileaks.
Numa sociedade narcisista que fotografa, grava, edita seus autorretratos, postando-os direto de seus próprios smartphones e ainda compete depois por seguidores, se declarar ambientalista, pacifista, comunista ou consumista, talvez não seja mais tão importante quanto tentar refletir sobre as razões para se aderir a uma causa e defendê-la.



Nem só o diabo veste Prada: o vídeo da ONG Bonfire of the Brands, tenta num tom evangelizador, usar a "culpa" ao trabalhar o consumo consciente em cima do maniqueísmo (o bem versus o mal). Acho esse proselitismo bem bacana, mas também bastante ingênuo, afinal, quem deseja uma marca, original ou pirata, vê nisso uma importância muito maior que o objeto adquirido. A marca é um fetiche, uma tatuagem emocional que ostenta uma posição social privilegiada ou o desejo de pertencer a ela.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

As duas missões anteriores haviam falhado e para o atirador, aquela seria a terceira e última missão do ano. Ele se posiciona no alto de um prédio no centro velho da cidade, local ideal para vigiar entrada e saída de todos na rua. Ajusta o tripé, abre a maleta, retira e monta rapidamente o artefato. Com um binóculo varre o perímetro até localizar o alvo que veste calça branca de linho, camisa estampada com florais em estilo havaiano, chapéu panamá e sandálias de couro ecologicamente correto. Espera calmamente até que o alvo se fixe numa mesa na calçada em frente o bar. Em poucos minutos, aparece a jovem num vestido indiano lilás e parece muitíssimo interessada em cada coisa que o alvo lhe diz.
Para evitar uma possível banalização do serviço, o escritório geral mantinha regras rígidas de procedimento para os atiradores. Eles só eram escalados para três missões por ano e só podiam levar três dardos na aljava. Sabendo disso, nunca desperdiçavam oportunidades, a ordem era total concentração e atenção redobrada sobre o alvo. Após calibrar a mira e calcular a velocidade do vento, segura a respiração por cinco segundos e atira. Num movimento inesperado, o garçom que servia a mesa ao lado atravessa na frente da trajetória, a seta vaza-lhe pelas costas e crava no concreto da calçada.

Foto e Photoshop: Clinton Hussey para o Executive Search Dating (Canadá)
 A segunda tentativa ocorre uns minutos mais tarde. Antes, ele acende um cigarro, tira as luvas e aplica pó de magnésio nas mãos, tinha visto um companheiro fazer o mesmo. Em seguida, eleva em alguns milímetros a inclinação do tripé e após um breve ritual de concentração, dispara novamente. O acaso interfere mais uma vez quando o alvo se move alguns centímetros para o lado a fim de selar a boca da garota de lilás. Desta vez, a haste que passa raspando pelo alvo, fica enterrada até a metade na bunda de uma mulher que acabou de se levantar para atender o celular. O atirador levanta-se e caminha até a outra extremidade do prédio para esticar um pouco as pernas. Enquanto termina de fumar, fica pensativo observando o contorno iluminado da cidade. Quando volta à posição, o cenário havia sido alterado. A garota está agora bem mais perto do alvo. Pela mira telescópica o atirador vê quando ela pega com o seu hashi, um pedaço de camarão, mergulha-o no molho de raíz-forte e coloca-o cuidadosamente na boca daquele que parece corresponder sem reservas aos encantos dela. É nesse instante que acontece o terceiro disparo...

... Longe dali, horas depois.

O atirador se posiciona no topo de outro prédio. Tem daquele ponto, uma visão ampla e sem obstáculos do apartamento onde reside o seu alvo. Ele não estava lamentando a falta de sorte por ter falhado três vezes seguidas, o que pelas regras da administração, significava que teria de ser afastado do caso. Tinha seguido o alvo até casa dele, porque ficou obsessivamente curioso em saber como as coisas terminariam àquela noite e antes de partir, teve tempo de sobra para observar através do binóculo, a garota despir-se do vestido lilás, retirar do seio esquerdo a longa flecha ainda em chamas e finalmente, mais sorridente do que antes, sentar-se sobre a festa em riste que havia naquele momento no colo do alvo.

domingo, 19 de dezembro de 2010


Foto e Photoshop: Sarolta Bán
 Para o sociólogo Jean Delumeau, o medo não é uma certeza sobre um evento negativo iminente, mas sim uma expectativa negativa em relação a esse evento, um desconforto ansioso causado justamente pela incerteza. A capacidade humana para refletir sobre o medo é uma característica forte o bastante para unir culturalmente quase todos os povos ocidentais em torno de uma única ideia; “Não desejar morrer, sofrer, nem perder queridos próximos, mas se isso realmente tiver de acontecer, que ocorra quase sem dor. Caso a dor seja inevitável, então que ela se torne honrosa como num sacrifício”.
Essa tem sido nossa milenar barganha com os deuses século após século imolando virgens, realizando oferendas, proferindo orações entre varias outras demonstrações de culto. É o que damos aos céus como expiação para encobrir pecados visando salvação, redenção ou a simples esperança de refrigério agora no presente e de um julgamento final favorável no futuro.
Segundo Delumeau, quando declaramos publicamente nosso amor incondicional ao divino, na verdade, o que estamos sentindo é um medo terrível deste ente supremo se aborrecer conosco e nos castigar na pele, quem sabe até coisa pior; atingindo os que amamos com mais sofrimento depois de uma morte sem paz. Toda vez que juramos fidelidade à alguma divindade demonstrando isso através de algum tipo de adoração, estamos mesmo é trabalhando em interesse próprio a fim de receber uma recompensa.
Caso existisse no imaginário humano, um deus que apenas nos observasse sem se apiedar, que nada pedisse, nem prometesse nada em troca de uma vida devotada a ele, seria o mais solitário dos deuses. Nunca haveria para ele um templo, um altar, uma classe sacerdotal, muito menos um rebanho disposto a segui-lo com fé.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Confesso que foi duro pacas aprender a dancinha que as lindas e furiosas gêmeas ruivas fizeram em homenagem a si mesmas como um happening surpresa na festa aniversário delas no começo do ano. As aniversariantes eram adultas e o mais curioso é que além das crianças presentes, muito marmanjo também se interessou em aprender a dança da Lilo. Houve bastante esforço de uma das donas da festa para amolecer e fazer minha cintura seca pegar o rebolado.
Ontem à noite, enquanto esperava pela reprise do The Walking Dead, dei um play no trecho do vídeo postado no Youtube para ver novamente a havaianinha prosa dançando. Para minha surpresa, não esqueci os passos e digo mais, é simplesmente uma delícia duka dançar e cantar esse negócio!
Foi depois de assistir várias vezes à abertura do filme, que decidi colocar a Lilo na minha lista de hedonistas célebres. Notei a tendência dela para a doutrina, não pelo jeito distraído, meio atrapalhado ou improvisado de tentar fazer as coisas darem certo, mas pelo prazer que ela sente em desfrutar primeiro da vida e depois do resto. Entre o "compromisso étnico" com as aulas de dança havaiana, dar sanduíche para os peixes do coral e "pegar jacaré" numa ondona, ela prefere as duas últimas é claro! Mesmo percebendo que está bastante atrasada para o ensaio no centro comunitário, a moreninha do nariz de batata, ao dar de cara com um imenso gringo bicolor na praia, esquece por uns instantes a pressa, porque para ela, urgente mesmo é fazer a foto do homenzarrão vermelho e rosa, antes de continuar seguindo pelo caminho.
Será que é a mania de tirar de dentro da gente e não de fora, motivos tão triviais quanto realizáveis para se sentir satisfeito, que é o tal "estar de bem com a vida"? Sei lá! Pra quê serviria ficar filosofando em cima disso? Mahalo Lilo...mahalo!



A gente pode até achar que não, mas o importante mesmo, acontece é agora!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Até hoje, não tinha parado para medir a distância percorrida. Aqui tudo é muito vasto! Todo esse tempo olhei unicamente para frente, mantive os pensamentos cravados na rota. Depois de milhares de quilômetros em linha reta, tudo o que era familiar começou a mudar de tonalidade até assumir de vez a ausência de cores comum ao esquecimento. Nesse momento a sensação é de ser totalmente estrangeiro, um mouro rumo ao norte, muito além das terras de Espanha, muito além de todos os motivos que poderiam me fazer sentir saudade. Estou tão longe que somente agora é que me permito olhar para trás, sentar por um pouco no chão do salar e observar os raros contornos tremulantes da linha ilusória que costumamos chamar de horizonte. Não quero trégua, nunca quis. Quero apenas seguir.



sábado, 11 de dezembro de 2010

POEMINHA DO HEDONISTA DISTRAÍDO

Agora, já de madrugada
Quase caio na cilada
Do lero duma fulô
Pé de pato, mangalô!
Pé de pato, mangalô!
Pé de pato, mangalô!

(2010)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Sim, Já estive engajado. Defendia com unhas e dentes, ideias que considerava urgentes, em parte, por acreditar que realmente poderiam ser possíveis. Não é assim que funciona a militância?
Na juventude, a razão foi o desejo de contribuir para um mundo justo para todos. Já balzaquiando, achei que seria legal mergulhar de cabeça num processo mais espiritual, uma vez que a política partidária não conseguiu realizar o que eu acreditava, pensei_ quem sabe uma fonte literalmente mais elevada, não conseguiria?
Hoje, pegar em armas, sejam elas, fuzis ou livros santos, não me interessa mais, contudo, admiro bastante os que atuam nas causas justas. É sem dúvida algo melhor que extravasar frustrações metendo porrada em mendigo, mulher, preto, gay e nordestino. Acho que estar envolvido num domquixotismo qualquer pode dar mais significado à vida que passar o dia consumindo plástico, algemado na rede em busca de coisas da moda, paixões descartáveis, nutrindo tesão pela anorexia ou comprando tecnotrecos. Se pareço ressentido, me desculpem, é minha alma corsária ainda tentando achar a saída.
Quando vejo o Bono fazendo mídia em Fórum Social, acho justo, como também acho legal estrelas pop entediadas adotando crianças sudanesas! Mas fico pensando se não deve haver mais coisas, além dessa retórica ativista neo-hippie. Percebo que a mecânica do inconformismo, décadas depois de On the Road e Woodstock, pode estar finalmente saindo da adolescência e entrando num território bem menos WWF, Peta ou Greenpeace de ser. Alguns, ligados no momento, estão deixando para trás os anos 80 e pulando fora do Rainbow Warrior. Quem sabe até para militar nesta nova frente que estão chamando por aí de WikiLeaks.



quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Quando alguém se aproxima do hedonismo, quase sempre começa achar meio sem sentido o secular culto à carência e ao sofrimento que faz parte da santificação do estado de vítima, bem difundido pela nossa formação cristã ocidental. Diferente do masoquismo clássico, em que a dor é um elemento erótico que conta com um agente sádico para operar um instrumento de satisfação onde todos assumem conscientemente os riscos, a apiedação monoteísta age como cabresto para tentar conter possíveis rebeliões contra um sistema que privilegia muito mais os que tomam (nem sempre à força), que os que cedem passivamente.
No monoteísmo ocidental, a condição agnus dei (vítima sacrificial) é celebrada publicamente como desejável e imagina-se que tal destino por si só, já satisfaça a divindade que o exige. Há nesse pensamento, um nítido induzimento à autopiedade, uma negação culposa dos próprios desejos. Nietzsche foi demonizado quando criticou este tipo de submissão em Assim Falou Zarathustra.
O controverso termo “super-homem”, numa tradução infeliz para “übermensch”, mostrava que a questão ali não era a rebelião humana contra o sobrenatural, mas a adoção sem resistência da fragilidade como o único meio de vida possível, num caminho considerado por ele, contrário ao da natureza. Nietzsche sabia que “übermensch”, não significava uma busca inútil para atingir o estágio mitológico de um ente sobre-humano, significava apenas que talvez houvesse uma escolha melhor que contentar-se em sofrer, lamentar a própria sorte, apegar-se ao medo paralisante da solidão, da angustia de não se ter alguém para injetar "amor" indefinidamente no sem-fundo da carência ou esperando que uma força externa solucione por nós, crises internas por meios mágicos.
Curiosamente, Mario Quintana, que certamente não era um "poetazinho da autoajuda" que vários aprócrifos piegas atribuídos a ele, sugerem na internet, chegou a uma conclusão bem parecida a de Nietzsche em alguns dos poemas da coletânea Apontamentos de História Sobrenatural (1976). A natureza que é muito mais antiga que todas as divindades, tem desde sempre, administrado sem dó essa arena onde pouco imorta viver ou morrer, pois a única coisa que realmente sustenta nossa brevissima existência é a luta.



Em “300”, Leônidas contraria os deuses e assume: "Tonight! We’ll dine in hell".

sábado, 4 de dezembro de 2010

Superestimamos demais os encontros! A verdade é que amor nenhum é boa medida para calcular os reais custos de um romance. Alguns a quem amávamos até os ossos, se tornaram com o tempo, algozes que simplesmente não conseguiam mais evitar nos fazer sofrer. Muitas vezes, é com alguém que nem amamos tanto, que podemos talvez, trocar coisas maiores e quem sabe até melhores que as que foram trocadas um dia com um amor que mesmo quando jurava não querer, só sabia nos adoecer e arrancar pedaços.


O Caetano e o Kid Vinil apostam que é assim que se faz um grande poeta.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O ciúme é o pior dos resíduos gerados por um encontro. Infelizmente deve haver pouquíssimos amantes capazes de desenvolver imunidade a ele ou que consigam lidar com isso sem apertar um gatilho que dispare desastres passionais. Estar amarrado num pacto fechado sempre cria um ambiente favorável à algum tipo de manifestação destrutiva por causa do medo de perder a posse do objeto do afeto, e claro, isso também pode acontecer até mesmo num pacto aberto.
Faz parte das promessas do romance alimentar a ideia de que alguém nos pertence, transformar o outro numa propriedade. Esse estado de coisas costuma ficar pior ainda quando ambos decidem usar o mito da fidelidade como instrumento para medir o grau do amor que cada um diz que ainda sente. Mesmo nos casos onde não existe interesse na infidelidade, a parte mais suscetível ao ciúme, se torna tão insegura que fantasia a figura de um ente imaginário interferindo num sistema em que cada um acredita estar orbitando seu par. Com o tempo, se passa a vigiar discretamente ou ostensivamente a rotina do outro, num inferno diário que muitos levam até os limites da insanidade, porque viciados em romance são reféns da própria carência e  precisam desesperadamente extrair deste cativeiro superestimado, alguma coisa que imaginam que valha à pena.
Estou convencido de que pessoas que sentem grande necessidade de ter um espaço particular em suas vidas, não deveriam se comprometer num romance. O próprio comprometimento já é uma contradição, pois torna impraticável a existência de uma área privada na vida de quem decide ter uma história em comum. Pode ser desconfortável para alguns pensar sobre isso, eu sei, mas é possível que a única maneira de ser realmente livre nessa questão é estar profundamente apaixonado apenas por si próprio.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010


É fim de noite na pequena Ilha caribenha e não se pode chamar apropriadamente de festa o ruidoso evento em andamento no quinto andar do Ambos Mundos. Mesmo que uma parte do que é comumente servido em festas estivesse circulando livremente sobre bandejas reluzentes, a melhor definição para o que acontecia naquele exato momento no quarto 511 era: um encontro particular entre amigos com a presença de convidados desconhecidos que não se importavam nem um pouco em receber dinheiro para estarem ali. O motivo não poderia ser mais apropriado: uma despedida. Não que alguém estivesse de partida para algum lugar distante, haveria apenas uma mudança de endereço dentro da mesma cidade. Por sete anos, o ilustre gringo velho que ocupava aquele quarto, havia passado neste lugar aprazível, alguns dos melhores anos de vida dele, portanto, aquela estava sendo a última noite dele no hotel pintado de rosa-flamingo.
Enquanto Bandeira pega seu Panamá e sai discretamente do quarto acompanhando o marinheiro catalão que acabara de conhecer, o velho gringo dança vacilante um tango silencioso com uma jovem nua chamada Dolores. Aproveito a distração para ler a capa do calhamaço datilografado em uma Hermes Cursiva preta, que jazia sobre a escrivaninha. For Whom The Bell tolls, era o que aparecia centralizado em caixa alta na folha de rosto. Fiquei bastante curioso em saber quem era o merecedor da reverência do sino, mas a minha atenção começou a ser roubada por outra Dolores, uma que estava me dando entre outras coisas, um sorriso iluminado, um beijo nos lábios e um copo de absinto.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Notícias de uma Guerra Particular é um documentário de 1999 dirigido por João Moreira Salles e Kátia Lund. O filme pega bem de perto, dentro de uma comunidade e na administração das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro, depoimentos de alguns personagens da violenta guerra urbana travada há décadas entre políciais e traficantes.
O que mais impressiona nele é que 11 anos depois, a falida política de segurança pública do Estado não mudou nada, ao contrário da empresa conhecida como Tráfico de Armas e Drogas S.A. que tem feito direitinho o dever de casa dela. No filme, ao ouvir o depoimento do delegado Hélio Luz, que na época, era secretário de segurança, fico pensando por que a pollítica de segurança pública da administração atual, como as anteriores, ainda segue o caminho mais fácil que é botar o Bope na rua para proteger à Classe Média, como na época de D. João VI, deixando o mais difícil, o trabalho de inteligência social dentro das comunidades ou ao deus-dará ou sob responsabilidade das ONGs?
Enquanto o governo segue omisso na sua retórica de campanha e ignora sua obrigação social de prover para crianças sem futuro, uma coisa melhor que os Padres Severinos da vida, para educar, dar acessso, fazer melhor que plantar unidades para "pacificar", os comandos no morro, que dum lado são clientes VIP da Colt (a fabricante americana dos letais fuzis AR15), e do outro, fornecedores regulares dos bacanas no Baixo Leblon, seguem se aprimorando em sistemas de telefonia celular carcerária e em táticas de sítio/guerrilha.
Outra pergunta feita pelo Hélio Luz em 99 e que ainda hoje parece pertinente é_ será que a burguesia quer mesmo uma polícia que pare de aceitar o "unzinho" da cervejinha para livrar da cana, o playboy que atropelou e matou o skatista dentro do túnel? Uma polícia que dê, sem distinção, tratamento devido ao cidadão legítimo? Vale à pena destacar que depois da participação no documentário, Hélio Luz foi exonerado do cargo.



Quem quiser conferir, o documentário está disponível no YouTube.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Já faz algum tempo desde a última vez que estive ligado assiduamente num seriado de TV e isso foi durante as oito temporadas de Arquivo X na Fox. Há poucas semanas assisti ao piloto de The Walking Dead (Fox, terça, 22h) e virei fã. Roteiro é a primeira coisa que me cativa numa produção e no caso de The Walking Dead, ele é uma obra-prima. O roteirista Frank Darabont, em vez de ficar dizendo _ ai como os zumbis são feiosos, cruéis e canibais!_  prefere mostrá-los como mais um dos tantos problemas de relacionamento virtual que ocorrem em redes sociais, e que um pequeno grupo de cidadãos comuns, padeiros, crianças, funcionários de escritório, policiais, donas-de-casa e outros, precisam encarar, mas não antes de conseguirem sobreviver a si próprios.
O mais interessante na narrativa, é que ela coloca o expectador dentro do problema, pois cada episódio tem um dilema ético/moral a ser digerido. É quase impossível não se colocar na pele de alguém (vivo é claro) e se perguntar_ o que eu faria se fosse comigo?
Enfim, o que acho sensacional em The Walking Dead é que o autor trabalha com muita originalidade em cima dum clichê que estamos carecas de saber! Conviver uns com os outros é foda, não importa se os tais uns e outros estão vivos ou mortos-vivos.



Excluindo perfis! Afinal, zumbis não são piores, nem melhores que os vivos.

sábado, 20 de novembro de 2010


Uma escorpiana fez aniversário esta semana, no dia que é também o meu número da sorte. Como faz parte do nosso velho pacto, enviei um cartão carinhosamente vetorizado em illustrator e finalizado em photoshop, transformando-a numa musa renascentista, para ilustrar melhor os longos anos duma forte amizade-quintaneana. Nos conhecemos por causa de música e trabalhamos juntos com música numa época que havia muita trilha sonora enquanto rodávamos pela cidade de um canto ao outro, tricotando as partes de uma história bacana de inserir canções que adorávamos na programação duma rádio que só tocava MPB.
Finalizei o texto do cartão pedindo desculpas pela imperfeição que ela sempre fez questão de não levar em conta e mais uma vez agradeci pelas muitas tardes inesquecíveis que passamos juntos dentro de um estúdio, curtindo de Cartola a Seu Jorge, felizes da vida como crianças yanomami brincando no meio da mata.

sábado, 13 de novembro de 2010

Numa madrugada destas, revirando tumbas, encontrei uns arquivos mofados, postados tempos atrás num blog já extinto. Fiquei comparando coisas que acreditava com coisas que creio atualmente e foi engraçado notar que uma das crenças que hoje considero morta e enterrada é a que chamava de “teoria das afinidades”. Isto na prática é quando alguém está completamente convencido de que gostos pessoais sobre músicas, artes, cinema, literatura, religião, preferências sexuais, pontos-de-vista filosóficos e outros, são razões suficientes para entrar numa relação romântica com alguém, passando assim, para uma fase ainda mais crítica; a da promessa de compartilhamento de vidas. O problema desta fantasia ingênua é que ela incentiva a imersão num vínculo irreal de confiança, que pode com o tempo, fazer cair numa outra cilada perigosa, a da dependência emocional, geralmente mais destrutiva que o abuso de certas substâncias.
Contudo, a pior parte desta previsível ópera bufa, é que em certa altura da vida, quase todo mundo fica louco para sair por aí como um zumbi infectado mendigando afeto de perfil em perfil, com uma disposição incrível para aceitar coisas inaceitáveis, desde que estas signifiquem achar alguém para não se sentir solitário na existência, como se isso fosse mesmo a solução para as angústias do sentir-se só, ainda que não se esteja.
É um estágio tão sublimado, apesar de bizarro, que simplesmente inibe os “receptores” de autorrecompensa impedindo de perceber que o que se precisa realmente para lidar com a universal sensação de solidão que assola a todos do berço ao túmulo, é amar primeiro a si próprio, permitir que se desenvolva dentro do ser, a deliciosa habilidade de autogratificar-se.

domingo, 7 de novembro de 2010

Mudança é um tema sempre recorrente no mundo blogger das ideias e provavelmente um dos papos mais pop em torno do assunto ainda seja o famigerado projeto Filtro Solar que assolou a internet no começo dos anos 2000 com um videozinho bacana narrado entre tantos, por Simone Spoladore interpretando o poema “Mude” do Edson Marques.
O final dos 90 foi mesmo o paraíso do xamanismo das palestras motivacionais que só aumentavam a culpa daqueles que acreditavam que mudar ou não era apenas uma questão de força de vontade, como se a mudança na essência, não apenas na aparência, fosse a coisa mais fácil do mundo de por em prática.
Mudar nunca foi uma solução definitiva, mas um estágio. Mudanças realmente significativas podem ser resultado de um conflitante processo anterior que levou uma vida inteira até estar completo.
Foi isso que o genial cartunista Laerte argumentou ao se revelar crossdresser numa entrevista à Folha de São Paulo. Alguns viram a coisa como uma tacada criativa de marketing para lançar a fase “trans” do personagem Hugo, já outros acharam porralouquice, viadagem mesmo.
Laerte está bem perto dos 60 anos, quem sabe tenha ficado meio de saco cheio de passar a vida toda tentando ser o que os outros queriam e ao beirar a terceira idade, decidiu com a cara e a coragem, ser o que sempre quis? Talvez seja melhor mudar para si próprio e de quebra, entender alguns porquês desta mudança, que mudar apenas para satisfazer o cruel crivo dos outros.

Muriel Total é o "blog confessionário" da Muriel/Hugo ou será do Laerte?


terça-feira, 2 de novembro de 2010

Nesta madrugada sonhei que comia a Diablo Cody numa mesa de sinuca. No veludo negro de Morfeu, isso não significa necessariamente que nos sub[metíamos] às 101 posições do kama sutra para no final extrair de todo esse esforço, míseros 30 segundos de [in]satisfação. No meu sonho, trepar com a Cody era um clipping nonsense, sonoro, colorido-psicodélico e editável, que podia ser nitidamente observado pelo movimento rápido dos meus olhos.
Havia uma imensa jukebox vermelha em chamas tocando “Maria” do Blondie. Também estava lá a Betty Page de batom carmim, corpete de vinil e salto 20 com meia dúzia de marinheiros em volta dela.
Julgando pelos arcos iluminados do aqueduto, o lugar parecia um boteco enfumaçado na Lavradio, cheio de putas e marginais da Lapa dos anos 30 que curtiam várias rodadas de pôquer com a tripulação da Enterprise.
O cara de linho branco e panamá que havia me dado um havana, alternava aparência entre Wilson Grey e Max Overseas! Ou seria Freddie Mercury? Sei lá, não lembro muita coisa, apenas que no sonho, a Diablo Cody me comia em cima duma mesa sinuca entre goles de absinto e grandes nacos de carne arrancados com dentes de porcelana. Nas costas nuas dela, duas tatoos coloridas que pareciam animadas em flash, uma era a Virgem de Gadalupe ardendo como anima sola, a outra, o Mao beijando a boca do Godzilla.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Abandonar uma velha tendência para sublimar todo evento potencialmente sentimental que experimento, tem sido um exercício disciplinar tão extremo quanto os que são impostos a um monge tibetano para forçá-lo a abandonar o apego ao mundo material. Afinal, foram mais de trinta anos de Bossa Nova e MPB, idolatrando as filhas de Vênus. De passionalidade à moda de Vinícius e teledramas globais, devem ter sido mais de vinte e pasmem, talvez quarenta e tantos de uma entrega fanática ao sublime, aguardando o momento, postado diariamente no cadafalso do romantismo folhetinesco que, segundo estudos recentes, é tão nocivo quanto um Kent sem filtro. É muita PNL para desprogramar assim duma tacada só, mas estou confiante de que muito em breve estarei tão densamente petrificado que só poderei ser reconhecido como fóssil.




Certa manhã, um cidadão pacato, um homem comum, acorda cedo num dia igualmente comum, dia de trabalho e pouco antes de entrar no banho, para por um instante olhando o  próprio rosto vincado ainda não barbeado no espelho. Ficou pensando em como era há 20 anos, quando vivia assombrado pelas cosntatações em volta e por causa disso, perguntava a si mesmo_e se? Tal coisa era um lastro que para quase tudo na vida dele, fossem situações, pessoas, oportunidades e decisões, havia sempre um atônito _e se?_
Hoje, quando as mesmas questões surgem inesperadamente como sempre, em vez de um nefasto “e se?”, o que logo materializa é uma ninfa toda tatuada chamada carinhosamente por ele de “foda-se”.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Aspirantes, jamais se iludam.
Poeta algum tem salvação!
Como Dante e Virgílio,
Poetas só encontram o que procuram
Debaixo de sete palmos,
Sete faces,
Sete cortes,
Sete vidas,

(2010)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Variável 02 está recostada sobre as almofadas do sofá, tomando café e assistido TV ainda de pijama. O gato preto sobre a poltrona fica em estado de alerta e salta no chão correndo para porta, esfregando-se nela por uns instantes como se pressentisse a chegada de alguém. Ouve-se barulho de chave na porta. Entra a variável 01


VARIÁVEL 01 (surpresa)
E aí? Passou a noite no sofá?


VARIÁVEL 02 (sorri)
Que nada! Acordar cedo até no domingo é um velho hábito maldito. Saí da cama e deitei aqui agorinha.


VARIÁVEL 01
Quem bom que fez café, ainda tem?


Variável 02 levanta-se e caminha em direção a cozinha


VARIÁVEL 02
Deixa que eu pego... acabei de fazer, mas se vai dormir agora, isso não tira teu sono?


Variável 01 pega o gato que lhe roça as pernas, põe no colo e praticamente se joga sobre a poltrona. Variável 02 volta com uma caneca fumegante de café e entrega para irmã.


VARIÁVEL 02 (antes de voltar a recostar-se no sofá)
Comprei pão, quer?


Variável 01 abre a bolsa, apanha o maço de Lucky Strike e acende um.


VARIÁVEL 01 (tragando bem fundo)
... meu pão... (ri).


VARIÁVEL 02 (abre na testa uma ruga de reprovação)
Cruz credo! Esse trabalho e o cigarro tão te deixando um caco!


VARIÁVEL 01
Aquele lugar é foda sim, ainda mais nos finais de semana de madrugada... mas não sei... acho que gosto daquilo...


VARIÁVEL 02
(silêncio)
VARIÁVEL 01
(silêncio)


VARIÁVEL 02
Não pensa namorar? Namorar mesmo, sem essa coisa tribalista que vive.


VARIÁVEL 01
E pra que?


VARIÁVEL 02
Sei lá... cê tá com vinte e nove, é uma mulher bonita... às vezes te acho meio...


VARIÁVEL 01
... infeliz?


VARIÁVEL 02
... solitária...


Variável 01 ajeita-se na poltrona para acomodar melhor o gato preto no colo.


VARIÁVEL 01
Isso que tá vendo é só uma enfermeira-zumbi um pouco cansada! É totalmente diferente duma mulher infeliz.
Variável 02 levanta-se, ajeita as almofadas e senta abraçando as pernas sobre o assento do sofá.

VARIÁVEL 02
Eu te entendo! Lembra quando eu era feminista xiita? Quando a Rose Marie Muraro não saia da minha boca? E a fase de maconheira da UERJ? Transava com menino, com menina. Mas quando cheguei perto dos trinta, eu já tava cansando daquilo. Pintou o Diógenes, me apaixonei, nos casamos, já pensamos pelos "sete anos" e até agora tem sido bom... a gente tá curtindo...

 VARIÁVEL 01
(silêncio)
VARIÁVEL 02
(silêncio)


VARIÁVEL 01
Você é a irmã que eu adoro, mas conta isso direito, vai? Eu era pirralha, mas lembro bem que cê mentia pro papai sobre os lugares onde ia. Transava sim, mas escondida dele né? Pegava unzinho só quando tava com a galera da faculdade e casou com o Diógenes pra poder sair de casa.


VARIÁVEL 02
E daí?


VARIÁVEL 01
Daí que eu não duvido que tá feliz, isso era sua meta de vida, alguém que te chamasse de meu amor, uma vida a dois, uma história...
Cê fez exatamente como a mamãe fez, achou um homem padrão, confiável e aprovado pelo sogro pra te levar embora de casa! Agora me fala, que feminismo é esse?


VARIÁVEL 02
E que mal há nisso? Querer uma família? Querer abraço e beijo de homem... saber que ele é louco de tesão em mim, que faz amor comigo porque me ama? Que fala que tô bonita, gostosa! Onde tá o antifeminismo nisso?


Variável 01 coloca o gato e a caneca no chão, vai até o sofá, deita a cabeça no colo da irmã. O gato preto a segue, salta no colo dela e deita.


VARÁIVEL 01
Não tô te criticando. Você fez uma escolha, mas não é isso que eu quero, sabe? Tentei viver um lance fechado com um cara legal, aqui mesmo nesse apartamento, lembra? Foi maravilhoso, mas chegou uma hora que a gente viu que não dava. Não houve briga nem nada, mas tava sufocante. Essa de “sou dele” e “ele é meu” não funcionou com a gente e quando vimos que isso ia fuder com uma amizade que poderia durar uma vida inteira, achamos melhor cada um viver do seu jeito. E foi mesmo melhor...


VARÁIVEL 02
Lembro dele...


VARÁIVEL 01
Isso me fez descobrir que não sou o tipo de mulher que depende de romance pra vida ter significado. Adoro minha companhia! Adoro esse gato vira-lata, adoro meu trabalho punk! Não sinto nenhuma falta dum cara que me dê qualquer tipo de segurança ou que me trate à cafuné, bombons e flores...


VARÁIVEL 02
Cê tá de sacanagem vai? Tá fazendo tipo, fala aí? E uma companhia? Ter alguém pra conversar na hora que a solidão pega?


VARÁIVEL 01
E quem disse que não tenho? Gente legal, que adoro o papo sem melação! Gente que saio sempre que posso, alguns vem, ficam aqui umas horas, mas não precisam viver aqui, trazendo cueca e escova de dente.


VARÁIVEL 02
(silêncio)


VARÁIVEL 01
Eu adoro beijo e quando quero beijo, eu beijo, quando quero transa, transo, mas trepo sem culpa, sem ter que ficar justificando isso com um nomezinho doce que “purifique” minha vontade de trepar!
Minha boceta não é uma capela que preciso santificar primeiro, dizendo “eu te amo” prum cara antes de dar pra ele. Eu não “faço amor”, eu faço sexo mesmo e faço com todo tipo de tara a que tenho direito, mas faço principalmente sem apego...


VARIÁVEL 02
E filhos?


VARIÁVEL 01
Agora quem tá viajando é você! Tá dizendo que preciso casar pra ter filho?


VARIÁVEL 02
Não foi isso que eu disse, cê entendeu! Falo da idade pra isso, cacete! Do maldito relógio...


VARIÁVEL 01
Não me sinto culpada por botar óvulos pra fora sem usá-los. Não vejo a maternidade como uma coisa divina dada à mulher, sou agnóstica pôo... então, me desculpa aí, se você acha que é!
No Souza Aguiar lido com vida e morte todo dia na forma mais crua. Eu sei que quando uma mulher fala desse jeito parece pecado, às vezes nem fala nada, com medo de parecer anormal, mas acredite... ser mãe não tá na lista de coisas que eu quero.


VARIÁVEL 02 (irônica)
Talvez mais tarde mude de idéia, quando tiver beirando os quarenta quem sabe...


VARIÁVEL 01 (irônica)
Quem sabe... se a gente pensar bem, tudo não passa mesmo de simples variáveis?

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Apesar da forte inclinação gregária, percebo que a tolerância nunca foi uma característica forte no ajuntamento de pessoas, talvez por isso, a paz plena entre os povos nunca passou de uma bela quimera banhada a ouro.
A História da Civilização mostra nitidamente que a paz está entre as coisas que receberam menos esforços para que de fato acontecesse, ao contrário da tendência para se acabar com a raça uns dos outros, bastando para que isso aconteça, coisas ínfimas do modelo de vida privada que praticamos, baseado em ciumentas relações possessivas-passionais ou quando obrigados a dividir o mesmo espaço de convivência com diferenças culturais, de classe social, políticas, religiosas, étnicas e até mesmo, fenotípicas.
Nem leis, culpas, pecados e outros mecanismos de controle usados para tentar conter confrontos, proteger uns do ataque predatório de outros, costumam impedir que um tipo de incômodo devido ao grau de proximidade com aquilo que se enxerga como estranho, produza uma fricção que pode às vezes, se expressar em forma de pequenas provocações verbalizadas, piadas ou comentários depreciativos.
O curioso nisso tudo é que quando não se encontra um adversário real ou uma causa externa para começar uma guerra, procuramos incansavelmente dentro de nós mesmos, até encontrar um motivo qualquer para não viver pacificamente. Com isso, a paz torna-se cada vez mais um típico delírio humano, como são também o amor romântico e a felicidade.

domingo, 17 de outubro de 2010

Em vista do que andou circulando por aí nas últimas semanas, fico pensando quantos eleitores deste país realmente sabem de fato que o Estado brasileiro é constituído por Três Poderes, sendo que o cargo eletivo de presidente corresponde à uma vaga de chefe do Poder Executivo e que este funcionário público não governa o país sozinho?A menos que se esteja vivendo num caudilhismo, não deve ser atributo dele decidir arbitrariamente a vida de homens e mulheres livres, passando por cima de direitos individuais adquiridos constitucionalmente.
Se o que estou dizendo for razoável, então pergunto_ que história é essa de alguns exigirem do candidato “X” ou “Y”, a publicação de uma carta aberta à nação, se comprometendo com as doutrinas religiosas deles ou com um jeito único de se enxergar vida e morte?




Isso também me leva a pensar como seria uma “democracia” onde, de repente, um cidadão que se declarasse publicamente ateu, evolucionista, gay, lésbica, praticante de alguma religião oriental não cristã ou de raiz africana, corresse o risco de ser enquadrado em algum artigo envolvendo contravenção?
Digo mais_ que tipo de respeito às individualidades seria, uma em que o direito de ser dono(a) do próprio corpo não estaria mais disponível como parte de uma escolha pessoal adulta e responsável, mas à mercê de uma imposição tutelada pelo Estado, baseada num único ponto de vista religioso? Que espécie de partido, político ou eleitor, que apesar de estarmos tão distante de uma Inquisição medieval ou de uma ditadura militar, de direita ou esquerda, ainda não entendeu que a defesa de um Estado laico é que é uma demonstração viva de maturidade democrática?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Quem me dera realmente entender de ópera a ponto de poder explicar na pontinha da língua a diferença entre uma ária e uma suíte. Na verdade, a coisa que mais me cativa no assunto é a apaixonante biografia de Maria Callas. Tenho essa grega de cara enorme como um fetiche bem particular, uma pin-up carismática com uma belíssima voz capaz de me excitar musicalmente. Até que numa noite dessas, vi no Manhattan Conection a soprano curitibana Diana Daniel cantando um trecho de “Il barbiere di Siviglia”. Desde então, no cantinho onde guardo minha fantasia com Callas, agora reside também uma outra bacante.


Acima: Diana _ainda em Curitiba_ numa versão pop de "Dom Giovani". Em cena, a doce Zerlina “consola” (e que consolo!) seu excitado amado Masetto que ao tentar defender a honra da sua [com]prometida das garras safadas de Dom Giovani, acaba tomando umas porradas do sedutor cafajeste, na ária “Vedrai Carino”. É o Mozart cheio de sex appeal, como sempre, só que desta vez, com blue jeans e All Star vermelho.


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

_ Ô garota! Tô ligando tem tempo e só dá caixa postal.
_ E aê menino! Pois é... esqueci o cel aqui... cheguei agorinha...
_ Tava aonde?
_ Sai com eles pra jantar... ela voltou a morar aqui e tão de boa de novo. E os dois aê em frente... já treparam?
_ Acho que já, mas não vi nada, devem ter ido pro banheiro?
_ Quê?
_ Sumiram um tempo, voltaram e deitaram pelado na cama.
_ Hum... que horas foi isso?
_ Agora pouco. Te mandei torpedo. Tá vendo eles?
_ Hum... ainda não...
_ A tevê no quarto tá ligada no Viva, passando Vale Tudo...
_ Devem tá na cozinha...
_ Olha lá... voltaram...ela tá de roupão e ele sem nada... êheê beleza!
_ Fudeu! Peraê... foram pra cama, acho que vão trepar de novo...
_ hum... desligaram a tevê... ih fudeu!
_ Quê foi?

Foto: GröZ

_ Apagaram a luz e essa porra de binóculo aqui não dá pra ver nada com pouca luz... queria é um puta “tele” igual esse teu aê, mas e a grana?!
_ Esquece a babaquice de ir pra Disney e pede um desse pra tua mãe no lugar da viagem! Aqui... dá um jeito aê e vem aqui rapidim...
_ Tá maluco? São quase duas, a gente devia tá é dormindo... tem prova da Natália na primeira aula, esqueceu?
_ Shhhhhhh... peraê... acho que eles tão trepando...
_ Caralho! Não tô vendo nada! Só borrão...
_ Relaxa... achei que fosse, mas né transa não, tão só deitando.
_ Daqui só to vendo uma luzinha azul...
_ É o celular. Ela levantou e largou ele em cima da cama. Alguém acabou de mandar um torpedo pra ela.
_  Olha outra luzinha, mais brilhante agora...
_ Ele tá mexendo num iphone. Caraca! Tá dando até pra ler no display... tá postando coisa no Face.
_ Tem uma meio avermelhada agora... acende e apaga, ta vendo?
_ É a paradinha...
_ Hein?
_ Ela acendeu um "beck", os dois tão "dando um dois”...
_ E aê? Acha que ainda vai rolar a trepada?
_ Sei lá... tá me dando sono agora...
_ Beleza então, também vô nessa!


domingo, 10 de outubro de 2010

Nem sempre é possível não emputecer diante de momentos emputecedores, mas durante o processo, pode ser uma boa tentar poupar aqueles que nada tem a ver com o emputecimento. Os que orbitam decadentes corpos em delito e mentes cheias de conflitos, autossabotagens, bipolaridades e conclusões, algumas delas precipitadas, às vazes bebem sem querer um golinho do copo de cólera do transtornado. Isto acaba sendo não muito justo, pois não são eles as causas das frustrações pontiagudas que atormentam os que se emputecem.

Infelizmente, desemputecer totalmente e evitar descontar em outros uma dívida que não é deles, não é pra todos. Fazer dessa habilidade um hábito é tarefa das mais difíceis para os de baixa resistência à frustrações e perfeccionistas em geral, mas o mais curioso sobre o gatilho do emputecimento é que ele costuma ser disparado sempre na hora errada, criando situações desgastantes com as pessoas alvejadas. Quando estas não são bastante pacientes, compreensivas ou amigonas do peito, quase sempre, o resultado gera um pequeno afastamento defensivo, que pode se tornar grande e permanente dependendo da constância com que se faz uso da metralhadora cheia de mágoas.

sábado, 9 de outubro de 2010

Alguém inspirado por uma ninfa sorridente, fez há cerca de três anos, um clipe onde juntou imagens de uma possível temporada de férias com uma antiga música do Paralamas que eu costumava ouvir bastante numa época em que a crença numa infância afetiva _hoje extinta_ fazia um enorme sentido em minha vida. É uma bonita declaração de sentimentos que está aprisionada no YouTube, esperando por algum motivo que faça o autor removê-la definitivamente. Até que isso aconteça, a peça fica como registro de um momento que para eles deve ter tido algum significado. Onde estão agora, o que fazem, se estão juntos ainda numa mesma vida ou vivendo outras, separados, não há como saber. O que se sabe deles pelo vídeo é que houve uma vez um verão, uma música e uma promessa que também não podemos saber até que ponto pode ser cumprida.



quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Prometi a um amigo que não iria mais “zuar” o roteiro de Avatar e tenho cumprido a promessa desde a rodada de pizza em que tivemos uma pequena “diferença” a respeito disso. Naquele dia eu não estava sendo implicante, juro, mas minha lógica era a seguinte; num tempo no futuro em que a tecnologia estaria tão avançada a ponto de permitir militares americanos invadirem (como sempre) outros planetas e construírem um artefato sofisticadíssimo o suficiente para gerar in vitro um recipiente biológico capaz de hospedar apenas a mente de um individuo, encontrar um pobre soldado ferido em combate vivendo na pior das hipóteses, ainda preso a uma cadeira de rodas sem que tal aparelho tivesse evoluído para algo, digamos... mais high tech, era um pouco indigesto do ponto de vista argumento.
Curiosamente, o exoesqueleto eLegs desenvolvido pela empresa americana Berkeley Bionics e lançado hoje nos EUA, acaba de envelhecer a cadeira de rodas dum filme de ficção cientifica futurista lançado a poucos meses atrás.



quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Noite dessas, pela enésima vez assisti ao “Escola de Rock” (School of Rock, 2003) na TNT. É uma comédia do roteirista Mike White, que atua no filme interpretando o personagem Ned Schneebly, um baixista que submissamente cede à influência nefasta da “namorada zoraide” (controladora pé no saco) e abandona a banda de garagem que tinha com um amigo pirado (o pirado Jack Black ) para virar um deprimido professor substituto nerd. [Spoiler] O problema é que Ned nem desconfiava que o amigo cara-de-pau faria uma mutreta para se passar por ele e assim tentaria ganhar uma grana extra como falso professor substituto.




Desnecessário dizer que o filme é pra lá de figurinha nas “Sessões da Tarde” desta vida, mas a mim pouco importa, pois consta (com louvor) na minha lista de “comédias-remédio” ou seja, aqueles filmes que têm um “barato xamã” tão poderoso que são capazes de me botar pra cima não importando muito o nome da zica que esteja em cartaz no meu cineshopping interior.
Sei também que é uma inutilidade fazer listas de “mais, mais”, (as listas, aliás, estão no tema do “High Fidelity”), afinal, gosto...
Mesmo assim, não resisto a ideia de listar aqui as minhas “comédias-remédio” preferidas, apenas para constar, sem essa de esquentar a cabeça se as ditas são cult ou não. Por isso, "ei-las" abaixo, na ordem de importância do meu deleite.



01- School of Rock (Escola de Rock, 2003)
02 - My Cousin Vinny (Meu Primo Vinny, 1992)
03 - Auto da Compadecida (2000)
04 - High Fidelity (Alta Fidelidade, 200)
05 - Lisbela e o Prisioneiro (2003)
06 - Addams Family Values ( A Familia Addams 2, 1993)
07 - Ferris Bueller's Day Off (Curtindo a Vida Adoidado, 1986)
08 - Anything Else (Igual a Tudo na Vida, 2003)
09 - Election (A Eleição, 1999)
10 - Matilda, (1996)

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Chega uma hora que se torna impossível não convencer o elefante do Drummond que ele é o passarinho do Quintana. No fundo, ele sabe que não é, mas a simples ideia de vir a ser nem que seja por um pouquinho, o faz se sentir maravilhosamente bem. Equivale a abrir um cínico sorrisinho aparentando educado e mandar à merda todos os que estão por aí atravancando seu caminho.



terça-feira, 28 de setembro de 2010

Nunca tive nada contra ou a favor do Paulo Coelho, nem mesmo sabendo que ao contrário de Mário Quintana, a quem considero um gênio e nem por isso escapou de ser injustamente rejeitado várias vezes pela ABL, figuras como Coelho, Sarney entre outros foram aceitos “de primeira” lá dentro. Também nunca critiquei a poderosa e milionária máquina editorial que faz o marketing bem sucedido que criou e sustenta o mago. Mas confesso que fiquei sem saber qual era a dele, ao postar ontem no G1, uma piadinha velha às pampas (a gíria arcaica é proposital), sem graça, preconceituosa e completamente fora da tolerância "pop-espiritual" que prega.

sábado, 25 de setembro de 2010

Tô aqui pensando no que a Folha quis dizer quando lançou recentemente a campanha “Folha, o jornal do Futuro”. Tô pensando nisso porque jornal impresso é tão antigo quanto Gutemberg e jornal on-line não é mais nenhuma novidade. Se for mesmo assim, quando a Folha mexe apenas no design gráfico para continuar sendo publicada em papel e na internet, fico me perguntando, exatamente a que tempo no futuro ela está se referindo?



Por outro lado, a revista Época que se apressou em adaptar seu conteúdo para o "formato ipad”, pelo menos até agora não usou o termo "revista do futuro" para se referir a ela mesma, quem sabe acreditando que a realidade dos tablets é o presente e com isso, o futuro pode não ser mais como era antigamente.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010


Para viver um pouco mais leve daqui pra frente, estou doando a qualquer ONG que trabalhe com reciclagem, uma parte dos “credos sociais” que por um tempo considerei "sagrados" demais para serem negociados na barraquinha dos cambistas. Confesso que hoje já não sinto mais o medo que alguns da minha geração afirmam sentir ao perceberem seus antigos pilares ruindo rapidamente, década e goela abaixo. Acho essa liquidificação que nos cerca simplesmente "duca" porque cresci e fui educado num meio onde as mudanças demoravam demais para acontecer, tudo era hipocritamente santificado e a possibilidade de acorrer qualquer qualquer alteração na ordem das coisas, era visto como apostasia, uma erva daninha subversiva, quando não, herética! O que mais me encanta nisso hoje, é perceber que em vez de tentar reter o que já não cabe mais em mim, tenho me permitindo surfar em outras experiências tântricas, botando o pé na frente da prancha num hang five atrevido apenas pelo prazer de descer naquilo que um dia certamente poderá ser minha última onda.