sábado, 15 de maio de 2010

Ele agora só anda com párias. Era o que de uma hora para outra começaram a falar na cidade. Para quem era abastado como ele, isso causava grande espanto porque o mundo dele era o mundo dos abastados. Já para os outros, era um sinal de que poderiam estar diante de um novo Sidarta. Então, em questão de semanas, foram abertas pelo menos oitenta novas contas no Twitter e outras tantas no Facebook, dando notícias do paradeiro dele. Em pouco tempo, a coisa alastrou mundo a fora e passou a constar no discurso de políticos em campanha, celebridades engajadas ou em editoriais de revistas consideradas “cabeças”.
Certo dia, um mochileiro australiano chapado que zanzava por uma favela em Calcutá encontrou na rua um grupo de párias e resolveu perguntar se o todo-ilustre estava mesmo andando com eles. Os párias não pareciam lá muito interessados no papo do gringo, mesmo assim, educadamente responderam que além de não saberem quem era tal pessoa, tinham certeza que ela jamais havia estado entre eles.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ninguém acorda numa terça-feira comum de abril imaginando que a certa altura do dia sofrerá uma operação de auto-sabotagem, mas foi isso que aconteceu quando um grupo fortemente armado, formado pelos piores “defeitos” dele invadiu o que considerava ser um perímetro de segurança. Normalmente, isso acontece com frequência, mas somente com um ou outro “defeito” que é dominado com certa facilidade e mandado de volta à área restrita aos “defeitos”. Uma invasão conjunta, coordenada e de grande porte, porém, nunca havia acontecido e talvez por isso que naquela tarde, o primeiro a cair foi o “bom senso” que era o sentinela responsável pela segurança. Ao ser pego de surpresa sem que pudesse reagir, deixou o acesso livre para ser invadido facilmente.
Uma vez dentro do sistema, o grupo passou a procurar outros alvos. A “paciência” foi morta na sala assistindo à uma novela mexicana. O “bom-mocismo” foi alvejado no banheiro enquanto fazia a barba. A “prudência” percebeu movimentos estranhos e se escondeu no sótão. Quando descoberta, ainda tentou gritar por socorro, mas foi silenciada sem dó. A “credulidade” imaginou que fingindo de morta poderia passar despercebida, mas o truque não funcionou e ali mesmo deitada no chão foi mortalmente ferida.
Aos poucos, uma a uma, cada “qualidade” localizada, era surpreendida e exterminada sistematicamente pelo grupo de “defeitos”. Ao se reunirem na cozinha para checar a lista de vítimas, notaram que faltava uma. Rapidamente realizaram uma segunda varredura no local e logo deduziram que ela havia usado uma porta secreta para escapar. O grupo então traçou um plano de emergência, espalharam-se e saíram à caça daquela que em muitos casos costuma mesmo ser a última que morre.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Já ouvi muita gente crucificando a Lya Luft. Uma comuna no Orkut mete o pau nela acusando-a de impostora, falsa transgressora e porta-voz do infame politicamente correto da Classe Média. Se é assim mesmo ou não, eu não sei, conheço muito pouco a obra desta autora e nem sou credenciado para fazer crítica literária, mas o fato é que ontem, lendo a resenha de “Múltipla Escolha”, o mais novo livro dela, fiquei pensando no que foi chamado de síndrome do “ter de”, que resumindo é o que ela chama de completa subserviência aos conhecidos padrões cruelmente impostos. Reconheço que há verdade sim nisso, que existe sim uma adoração e uma busca frenética para se ajustar aos padrões, seja lá a que preço! O que pessoalmente não sei, é se ainda vale à pena perder tempo discutindo isso, especialmente hoje em dia.
Falo assim porque ao contrário de décadas passadas, a busca por uma inalcançável perfeição é vendida livremente sem pudores, sem rodeios e está vendendo bem porque uma parcela da sociedade parece desejar isso mesmo. O ter de ser magra, linda, sarado, inteligente, rico, bem sucedido, famoso, feliz é hoje em dia, uma busca legitima para muitos que não ligam nem um pouco em demonstrar publicamente estarem a procura destes valores. O que há tempos atrás era visto por alguns como “vazio e superficial”, atualmente parece ser a ordem do dia para quem investe pesado e obsessivamente apenas na própria aparência, no marketing pessoal para alcançar basicamente aceitação, afinal, quem é que não quer ser aceito? Do meu ponto de vista, o que chamo de “vazio e superficial”, pode ser visto como precioso para alguém que está por ai sendo criado pelas regras e padrões dum consumismo notório, enxergando quase tudo, seja a si próprio ou as pessoas com quem se relaciona como um produto exposto numa vitrine! Se descartável ou não, dependerá quem sabe, do tempo que isso será capaz de manter os envolvidos interessados.