segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Variável 02 levanta-se, ajeita as almofadas e senta abraçando as pernas sobre o assento do sofá.

VARIÁVEL 02
Eu te entendo! Lembra quando eu era feminista xiita? Quando a Rose Marie Muraro não saia da minha boca? E a fase de maconheira da UERJ? Transava com menino, com menina. Mas quando cheguei perto dos trinta, eu já tava cansando daquilo. Pintou o Diógenes, me apaixonei, nos casamos, já pensamos pelos "sete anos" e até agora tem sido bom... a gente tá curtindo...

 VARIÁVEL 01
(silêncio)
VARIÁVEL 02
(silêncio)


VARIÁVEL 01
Você é a irmã que eu adoro, mas conta isso direito, vai? Eu era pirralha, mas lembro bem que cê mentia pro papai sobre os lugares onde ia. Transava sim, mas escondida dele né? Pegava unzinho só quando tava com a galera da faculdade e casou com o Diógenes pra poder sair de casa.


VARIÁVEL 02
E daí?


VARIÁVEL 01
Daí que eu não duvido que tá feliz, isso era sua meta de vida, alguém que te chamasse de meu amor, uma vida a dois, uma história...
Cê fez exatamente como a mamãe fez, achou um homem padrão, confiável e aprovado pelo sogro pra te levar embora de casa! Agora me fala, que feminismo é esse?


VARIÁVEL 02
E que mal há nisso? Querer uma família? Querer abraço e beijo de homem... saber que ele é louco de tesão em mim, que faz amor comigo porque me ama? Que fala que tô bonita, gostosa! Onde tá o antifeminismo nisso?


Variável 01 coloca o gato e a caneca no chão, vai até o sofá, deita a cabeça no colo da irmã. O gato preto a segue, salta no colo dela e deita.


VARÁIVEL 01
Não tô te criticando. Você fez uma escolha, mas não é isso que eu quero, sabe? Tentei viver um lance fechado com um cara legal, aqui mesmo nesse apartamento, lembra? Foi maravilhoso, mas chegou uma hora que a gente viu que não dava. Não houve briga nem nada, mas tava sufocante. Essa de “sou dele” e “ele é meu” não funcionou com a gente e quando vimos que isso ia fuder com uma amizade que poderia durar uma vida inteira, achamos melhor cada um viver do seu jeito. E foi mesmo melhor...


VARÁIVEL 02
Lembro dele...


VARÁIVEL 01
Isso me fez descobrir que não sou o tipo de mulher que depende de romance pra vida ter significado. Adoro minha companhia! Adoro esse gato vira-lata, adoro meu trabalho punk! Não sinto nenhuma falta dum cara que me dê qualquer tipo de segurança ou que me trate à cafuné, bombons e flores...


VARÁIVEL 02
Cê tá de sacanagem vai? Tá fazendo tipo, fala aí? E uma companhia? Ter alguém pra conversar na hora que a solidão pega?


VARÁIVEL 01
E quem disse que não tenho? Gente legal, que adoro o papo sem melação! Gente que saio sempre que posso, alguns vem, ficam aqui umas horas, mas não precisam viver aqui, trazendo cueca e escova de dente.


VARÁIVEL 02
(silêncio)


VARÁIVEL 01
Eu adoro beijo e quando quero beijo, eu beijo, quando quero transa, transo, mas trepo sem culpa, sem ter que ficar justificando isso com um nomezinho doce que “purifique” minha vontade de trepar!
Minha boceta não é uma capela que preciso santificar primeiro, dizendo “eu te amo” prum cara antes de dar pra ele. Eu não “faço amor”, eu faço sexo mesmo e faço com todo tipo de tara a que tenho direito, mas faço principalmente sem apego...


VARIÁVEL 02
E filhos?


VARIÁVEL 01
Agora quem tá viajando é você! Tá dizendo que preciso casar pra ter filho?


VARIÁVEL 02
Não foi isso que eu disse, cê entendeu! Falo da idade pra isso, cacete! Do maldito relógio...


VARIÁVEL 01
Não me sinto culpada por botar óvulos pra fora sem usá-los. Não vejo a maternidade como uma coisa divina dada à mulher, sou agnóstica pôo... então, me desculpa aí, se você acha que é!
No Souza Aguiar lido com vida e morte todo dia na forma mais crua. Eu sei que quando uma mulher fala desse jeito parece pecado, às vezes nem fala nada, com medo de parecer anormal, mas acredite... ser mãe não tá na lista de coisas que eu quero.


VARIÁVEL 02 (irônica)
Talvez mais tarde mude de idéia, quando tiver beirando os quarenta quem sabe...


VARIÁVEL 01 (irônica)
Quem sabe... se a gente pensar bem, tudo não passa mesmo de simples variáveis?

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