Abandonar uma velha tendência para sublimar todo evento potencialmente sentimental que experimento, tem sido um exercício disciplinar tão extremo quanto os que são impostos a um monge tibetano para forçá-lo a abandonar o apego ao mundo material. Afinal, foram mais de trinta anos de Bossa Nova e MPB, idolatrando as filhas de Vênus. De passionalidade à moda de Vinícius e teledramas globais, devem ter sido mais de vinte e pasmem, talvez quarenta e tantos de uma entrega fanática ao sublime, aguardando o momento, postado diariamente no cadafalso do romantismo folhetinesco que, segundo estudos recentes, é tão nocivo quanto um Kent sem filtro. É muita PNL para desprogramar assim duma tacada só, mas estou confiante de que muito em breve estarei tão densamente petrificado que só poderei ser reconhecido como fóssil.
Certa manhã, um cidadão pacato, um homem comum, acorda cedo num dia igualmente comum, dia de trabalho e pouco antes de entrar no banho, para por um instante olhando o próprio rosto vincado ainda não barbeado no espelho. Ficou pensando em como era há 20 anos, quando vivia assombrado pelas cosntatações em volta e por causa disso, perguntava a si mesmo_e se? Tal coisa era um lastro que para quase tudo na vida dele, fossem situações, pessoas, oportunidades e decisões, havia sempre um atônito _e se?_ Hoje, quando as mesmas questões surgem inesperadamente como sempre, em vez de um nefasto “e se?”, o que logo materializa é uma ninfa toda tatuada chamada carinhosamente por ele de “foda-se”.
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Aspirantes, jamais se iludam. Poeta algum tem salvação! Como Dante e Virgílio, Poetas só encontram o que procuram Debaixo de sete palmos, Sete faces, Sete cortes, Sete vidas,
(2010)
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Variável 02 está recostada sobre as almofadas do sofá, tomando café e assistido TV ainda de pijama. O gato preto sobre a poltrona fica em estado de alerta e salta no chão correndo para porta, esfregando-se nela por uns instantes como se pressentisse a chegada de alguém. Ouve-se barulho de chave na porta. Entra a variável 01
VARIÁVEL 01 (surpresa) E aí? Passou a noite no sofá?
VARIÁVEL 02 (sorri) Que nada! Acordar cedo até no domingo é um velho hábito maldito. Saí da cama e deitei aqui agorinha.
VARIÁVEL 01 Quem bom que fez café, ainda tem?
Variável 02 levanta-se e caminha em direção a cozinha
VARIÁVEL 02 Deixa que eu pego... acabei de fazer, mas se vai dormir agora, isso não tira teu sono?
Variável 01 pega o gato que lhe roça as pernas, põe no colo e praticamente se joga sobre a poltrona. Variável 02 volta com uma caneca fumegante de café e entrega para irmã.
VARIÁVEL 02 (antes de voltar a recostar-se no sofá) Comprei pão, quer?
Variável 01 abre a bolsa, apanha o maço de Lucky Strike e acende um.
VARIÁVEL 01 (tragando bem fundo) ... meu pão... (ri).
VARIÁVEL 02 (abre na testa uma ruga de reprovação) Cruz credo! Esse trabalho e o cigarro tão te deixando um caco!
VARIÁVEL 01 Aquele lugar é foda sim, ainda mais nos finais de semana de madrugada... mas não sei... acho que gosto daquilo...
VARIÁVEL 02 (silêncio) VARIÁVEL 01 (silêncio)
VARIÁVEL 02 Não pensa namorar? Namorar mesmo, sem essa coisa tribalista que vive.
VARIÁVEL 01 E pra que?
VARIÁVEL 02 Sei lá... cê tá com vinte e nove, é uma mulher bonita... às vezes te acho meio...
VARIÁVEL 01 ... infeliz?
VARIÁVEL 02 ... solitária...
Variável 01 ajeita-se na poltrona para acomodar melhor o gato preto no colo.
VARIÁVEL 01 Isso que tá vendo é só uma enfermeira-zumbi um pouco cansada! É totalmente diferente duma mulher infeliz.
Variável 02 levanta-se, ajeita as almofadas e senta abraçando as pernas sobre o assento do sofá.
VARIÁVEL 02 Eu te entendo! Lembra quando eu era feminista xiita? Quando a Rose Marie Muraro não saia da minha boca? E a fase de maconheira da UERJ? Transava com menino, com menina. Mas quando cheguei perto dos trinta, eu já tava cansando daquilo. Pintou o Diógenes, me apaixonei, nos casamos, já pensamos pelos "sete anos" e até agora tem sido bom... a gente tá curtindo...
VARIÁVEL 01 (silêncio) VARIÁVEL 02 (silêncio)
VARIÁVEL 01 Você é a irmã que eu adoro, mas conta isso direito, vai? Eu era pirralha, mas lembro bem que cê mentia pro papai sobre os lugares onde ia. Transava sim, mas escondida dele né? Pegava unzinho só quando tava com a galera da faculdade e casou com o Diógenes pra poder sair de casa.
VARIÁVEL 02 E daí?
VARIÁVEL 01 Daí que eu não duvido que tá feliz, isso era sua meta de vida, alguém que te chamasse de meu amor, uma vida a dois, uma história... Cê fez exatamente como a mamãe fez, achou um homem padrão, confiável e aprovado pelo sogro pra te levar embora de casa! Agora me fala, que feminismo é esse?
VARIÁVEL 02 E que mal há nisso? Querer uma família? Querer abraço e beijo de homem... saber que ele é louco de tesão em mim, que faz amor comigo porque me ama? Que fala que tô bonita, gostosa! Onde tá o antifeminismo nisso?
Variável 01 coloca o gato e a caneca no chão, vai até o sofá, deita a cabeça no colo da irmã. O gato preto a segue, salta no colo dela e deita.
VARÁIVEL 01 Não tô te criticando. Você fez uma escolha, mas não é isso que eu quero, sabe? Tentei viver um lance fechado com um cara legal, aqui mesmo nesse apartamento, lembra? Foi maravilhoso, mas chegou uma hora que a gente viu que não dava. Não houve briga nem nada, mas tava sufocante. Essa de “sou dele” e “ele é meu” não funcionou com a gente e quando vimos que isso ia fuder com uma amizade que poderia durar uma vida inteira, achamos melhor cada um viver do seu jeito. E foi mesmo melhor...
VARÁIVEL 02 Lembro dele...
VARÁIVEL 01 Isso me fez descobrir que não sou o tipo de mulher que depende de romance pra vida ter significado. Adoro minha companhia! Adoro esse gato vira-lata, adoro meu trabalho punk! Não sinto nenhuma falta dum cara que me dê qualquer tipo de segurança ou que me trate à cafuné, bombons e flores...
VARÁIVEL 02 Cê tá de sacanagem vai? Tá fazendo tipo, fala aí? E uma companhia? Ter alguém pra conversar na hora que a solidão pega?
VARÁIVEL 01 E quem disse que não tenho? Gente legal, que adoro o papo sem melação! Gente que saio sempre que posso, alguns vem, ficam aqui umas horas, mas não precisam viver aqui, trazendo cueca e escova de dente.
VARÁIVEL 02 (silêncio)
VARÁIVEL 01 Eu adoro beijo e quando quero beijo, eu beijo, quando quero transa, transo, mas trepo sem culpa, sem ter que ficar justificando isso com um nomezinho doce que “purifique” minha vontade de trepar! Minha boceta não é uma capela que preciso santificar primeiro, dizendo “eu te amo” prum cara antes de dar pra ele. Eu não “faço amor”, eu faço sexo mesmo e faço com todo tipo de tara a que tenho direito, mas faço principalmente sem apego...
VARIÁVEL 02 E filhos?
VARIÁVEL 01 Agora quem tá viajando é você! Tá dizendo que preciso casar pra ter filho?
VARIÁVEL 02 Não foi isso que eu disse, cê entendeu! Falo da idade pra isso, cacete! Do maldito relógio...
VARIÁVEL 01 Não me sinto culpada por botar óvulos pra fora sem usá-los. Não vejo a maternidade como uma coisa divina dada à mulher, sou agnóstica pôo... então, me desculpa aí, se você acha que é! No Souza Aguiar lido com vida e morte todo dia na forma mais crua. Eu sei que quando uma mulher fala desse jeito parece pecado, às vezes nem fala nada, com medo de parecer anormal, mas acredite... ser mãe não tá na lista de coisas que eu quero.
VARIÁVEL 02 (irônica) Talvez mais tarde mude de idéia, quando tiver beirando os quarenta quem sabe...
VARIÁVEL 01 (irônica) Quem sabe... se a gente pensar bem, tudo não passa mesmo de simples variáveis?
Hoje à noite vou à festa de Babete refestelar-me numa mesa farta de vinho e vísceras! Na festa de Babete beberei todo meu passado e comerei todo meu futuro. Me autoconsumirei tão completamente, que nem a mínima sobra, servirá para contar alguma história.