|
Ilustração: Zac Gash |
Uma vez que não se consegue chegar a alguma conclusão sobre a existência da felicidade, há quem diga que a infelicidade, algo que ninguém duvida da existência, começa no momento exato em que a ficha cai. Isso faz algum sentido, pois saber manter a ficha continuamente suspensa é uma técnica eficiente para evitar o sofrimento quando diante de constatações realistas, afinal, quem não sabe que são as ilusões com a potência curativa dum cafuné, que refrigeram as almas em tormento? Quem nunca ouviu falar que injetar utopia diretamente na veia, alimenta a quimera que supre o aflito? Além desse efeito anestésico, a ficha quando constatemente suspensa possui outro beneficio, o de retardar a infância fazendo-a penetrar vida adulta adentro, sublimando o desconforto da solidão até que o carente/sofredor se acalme finalmente como mártir do próprio desespero.
Nessa “infância artificial” o consolo vem de se acreditar que tudo o que acontece, seja o bom ou o ruim, nunca acontece por méritos ou deméritos próprios, nem pelo acaso que incide cego e injusto sobre todos nós. Não há dor que se estenda tanto, quando se aceita isso como fruto da intervenção de alguém que usa nossas pobres vidas curtas como peças num tabuleiro cósmico de xadrez.
Enquanto a ficha não cai, a simplificação rasa dos motivos da própria solidão e do próprio sofrimento é muito mais útil na busca sem fim pela “felicidade” do que qualquer complicação filosófica sobre esse assunto.