sexta-feira, 16 de abril de 2010

Dependendo de como se olha, é quase um consenso que a maturidade seja vista como uma espécie de benção, um estágio da vida que capacita alguns a saberem como tomar decisões levando-se em conta uma serie de detalhes práticos envolvendo o bem-estar de outros. Maturidade também pode ser a habilidade de avaliar o possível impacto que algo teria sonbre uma situação depois de aplicado. Alguns consideram isso o resultado de uma percepção social ajustada, adquirida com o conjunto de valores transmitidos pelo meio onde a pessoa foi criada ou de um modo mais radical, através do aprendizado em correção, depois de uma série de ações equivocadas cometidas durante um processo de amadurecimento. Com isso, imaginamos logo que o individuo maduro estaria apto de um modo geral, a realizar para si escolhas melhores, como saber poupar outros de possíveis ações danosas ou evitar colocar alguém em situação de constrangimento ou até mesmo de risco. Certo? Nada mais enganoso! Para ver o maduro cair de seu ponto de equilíbrio, basta que ele tropece num desatino, numa descontrolada paixão indevida bem tocaiada a enrosca-lhe perna acima, derrubando-o de sua própria altura dentro do perigo mais profundo, do arriscado mais inconsequente, do insano mais lisérgico, e muitas vezes, dentro do inevitável ridículo, como aconteceria com qualquer principiante que se lambuza nas tolices duma infância tardia, que como tal, se nega a devolver corpo e mente do apaixonado em transe, ao lugar de onde deveria ser visto publicamente como sensato.
Acho que aquele tinha sido um dos melhores anos da minha vida até então. Na soma, tudo estava indo muito bem. Bem no trabalho, bem no amor e no sexo com Tereza, bem no trato com as crianças, com os amigos, com planos, com a saúde, enfim, uma vida segura e confortável, dentro do que isso talvez signifique para cada um. Tudo estava cercado da normalidade a que todo homem de família poderia esperar. De repente foi assim, numa hora de calmaria, sentado no Posto Seis no finalzinho da tarde esperando Tereza voltar do apartamento de uma amiga do trabalho. Foi sem vontade alguma, sem mais nem menos, fui tomado por uma compulsão de querer saber dos porquês mais sem porquês da existência humana! Por mais que eu tentasse distrair a mente com alguma outra coisa, por mais que tentasse prender meus pensamentos em qualquer outro ponto, todo e qualquer esforço de conseguir isso, parecia inútil. Enfim, chegou Tereza, chegou a noite, chegou madrugada, chegou dia claro e eu ainda preso naquilo que sequer sabia mais, catalogando, especificando, definindo, buscando, tentando achar alguma coisa, um significado. A partir de então, e sem explicação alguma, sem motivo justificável, toda aquela paz que eu imaginava ter com Tereza, com as crianças, com os amigos e com tudo mais, foi se distanciando aos poucos, sumindo, até ficar tudo mudo, incerto, sem guias, completamente à deriva, num mar aberto sem fim.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A ansiedade durante a espera de algo desejado pode às vezes ser comparada a aguardar uma refeição. Aquele momento em que você fica contando nos dedos os dias, contando no banco a grana, somando possibilidades, ligando para confirmar, acessando, abrindo caixa de email, fuxicando torpedos, checando pedidos, perguntando opinião, sonhando, olhando catálogo, buscando no Google, passando pela vitrine zilhões de vezes! Isso só desperta mais ainda o apetite. É um período entre a possibilidade e o concreto, entre a salivação e a mordida. Enquanto encubamos a iminência de uma coisa que não temos ainda, choramos, sorrimos, xingamos ou bendizemos, porque a espera exerce na mente, uma pressão que é descontada sintomaticamente no corpo! Esse quase-não-quase cruel que faz tudo se dividir em cinqüenta porcento de acontecer ou não, secreta uma seiva que à medida que o fato aguardado vai se tornando materializável, dá um certo sabor de uma geléia real, mas caso acorra o contrário, o que se sente é absinto puro.
Conseguir algo há muito aguardado, além de fazer aparecer em torno do agraciado uma brilhante aura de satisfação, revela ainda sobre o objeto do desejo, uma doce camada cristalizada formada pelo acúmulo da espera. Quanto mais aguardada, mais espessa e saborosa ela é.

terça-feira, 13 de abril de 2010

A promessa feita por ocasião do encontro considerava como certa a possibilidade de isolarem-se em torno um do outro. Em tese, essa é a regra das relações baseadas no que é popularmente aceito como tradicional, no entanto, como o mundo vasto não se chama Raimundo e mais vasto ainda é o nosso coração, nem todos conseguem viver fechados sem os conflitos do estar fechado. Por mais que exista uma promessa sincera de devoção exclusiva ao outro em dar de seu tempo, de sua vida, e até mesmo para quem afirma solenemente não desejar abrir mão de sua cumplicidade e compromisso para sempre, há sempre o risco presente de que algum Francisco entre secretamente nos sonhos daquela que estiver mais destrancada às possibilidades. Isso aconteceria quietamente, sem muito alarde e nenhuma necessidade de contar ao que dorme e sonha no travesseiro ao lado, que um terceiro objeto tem descansado nos pensamentos dela, nem que seja apenas por alguns minutos por dia, para depois se levantar, ir embora e voltar quem sabe no dia seguinte.

O fragmento de texto do Puig é um empréstimo que peguei com a Camilla.

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- (...) E aí conheceu um rapaz da seção de política. Viu logo que precisava dele, que a relação com o outro estava esvaziada.- Por que esvaziada?- Tinham dado um ao outro tudo o que podiam. Eram muito agarrados, mas jovens demais para ficarem naquilo, ainda não sabiam direito... o que queriam, nenhum dos dois. E... Jane propôs ao rapaz uma abertura na relação. E o rapaz topou, e ela começou a se encontrar com o companheiro da revista também.

(O beijo da mulher aranha - Manuel Puig)
A MICROCOMÉDIA DAS MADRUGADAS INSONES NO MSN
Terça-feira, 13 de abril de 2010 - 01h50

Filosofia de R$ 1,99
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[ O diálogo foi reproduzido aqui sem nenhuma revisão, tal como transcrito originalmente durante o "chatting", inclusive, em algumas partes, sem a devida acentuação e outras especificações ortográfica ]



Ele diz:
uma pessoa falou q ando meio duro e sem esperança.
Pensei um pouco e acabei concordando, mas a vida não é um pouco assim?


Ela diz:
DURA SIM
mas temos q manter a esperança

Ele diz:
a esperança é uma invenção nossa e não da vida. a vida tem o jeitão dela e nunca mudou

Ela diz:
mas nos somos a vida

Ele diz:
sim, as nossas ações e percepções sim. mas quando falo vida falo dela universalmente. no universo somos a mesma coisa que uma pulga ou uma estrela supermassiva, a diferença esta no tempo de duração apenas, a sequencia de existencia é a mesma. pra vida, há apenas um pulso, um estouro uma subida até uma curva e depois uma descendente, isso é que não muda

Ela diz:
cada um desenvolve seu papel, mas acho q minha consciencia me torna mais q uma pulga

Ele diz:
de fato pra viver entre humanos é necessário mesmo consciência
mas uma pulga nao precisa mais do que ela já possui, ela sabe o papel dela desde que nasce e nao se sente confusa

Ela diz:
ela não tem consciencia né

Ele diz:
talvez nao e nem precisaria né?
talvez no mundo das pulgas nada precise ser explicado ou justificado
uma pulga nao precisa que alguém diga o que ela é, nem nome, nem origens. ela so tem algumas horas pra viver comer, fazer filhotes e morrer, consciencia pra que se a duração de vida é um flash apenas

Ela diz:
kkkkkkkkkkkkkkkk
um flash q pode durar 90 anos

Ele diz:
eu sei a nossa vida tbm é um flash, a gente é que não gosta mto de falar disso
pra pulga, 90 anos ou 90 segundos nao faz diferença, nao ha nada pra ser barganhado
nao ha cultura a ser transmitida, nem herança, nem definições, nem temores
a pulga é pulga e isso basta, talvez a nossa vida fosse assim antes da invenção da consciência, antes de sermos sapiens.
kkkkkk

Ela diz:
infelizmente não viemos pulga

Ele diz:
hahahahaha.

Ela diz:
então é viver o melhor q pudermos

Ele diz:
mas a gente acha isso pouco, e tenta complicar
vivemos de definir o que não precisa ser definido
definir nao ajuda nada, definir nao faz a vida ter mais sentido

Ela diz:
busco a cada dia sair dessa neura

Ele diz:
é uma boa meta, mas nao muda nada no fato de que tudo que há é um pulso, um estalo, uma subida até uma curva e depois uma descendente
rsrsrs, olha qta zuera falamos! kkkk. xô sair um pouco e tentar dormir, bánoite! ops! bom dia!


segunda-feira, 12 de abril de 2010

Resumindo, o corte é um poderoso procedimento para conseguir a cura de algo que está dolorosamente infeccionado. O corte bem que poderia se enquadrar na categoria de certos remédios como sendo às vezes igualmente amargo e a menos que estejamos falando de sadomasoquismo, o corte não será nem um pouco prazeroso. Um corte é algo que em circunstancias normais ninguém buscaria por ele como algo desejável, ainda assim, quando necessário, é opção recomendável para se restaurar a saúde de algo que está se perdendo e levando outros com ele. Em certos momentos, um corte é a única coisa que poderia tornar saudável algo que está visivelmente adoecendo.
Quando estamos envolvidos em algo que há tempos pede um corte e não damos, seguimos em direção ao desastre presos inutilmente ao que pende já podre. Protelamos, tentamos arrumar, colar, remendar, fingimos que não estamos tão mal assim. Às vezes é o medo de que o corte resulte em perdas, o que é fato, pois geralmente é isso mesmo que o corte faz. Às vezes é o apego indevido ao que está necrosado, perdido, sem chances de recuperação, mas não percebemos porque paira sobre a parte negroazulada e malcheirosa da gangrena, uma miragem projetando um reflexo de como aquilo era no passado quando ainda havia coisas bonitas e saudáveis ali.
A sabedoria do corte é citada numa bela parábola de Jesus (Mateus 18:8) quando ele menciona que se algum membro teu está te atrapalhando ganhar a vida eterna, corte-o imediatamente. Sejam quais forem os motivos para se evitar o corte, basta uma analise experiente feita com frieza e praticidade, um olho clínico, para saber que em certos casos não há escolha, é preciso sem demora, submeter um insolúvel problema de estimação que nos acompanha há algum tempo, ao corte definitivo, à uma necessária e inevitável amputação.

“E o resto é o resto, o sexo é o corte, o sexo”. O Estrangeiro (Caetano Veloso)