sábado, 3 de julho de 2010

O desejo itinerante em principio parece suprir. O delírio pode até desviar a mente da sensação de ausência de sentir e da solidão que isso provoca, mas chega um dia que a realidade que ronda em volta, salta sobre nós. Nessa hora, despertamos nem que seja por um pouco, antes voltar a adormecer, permitindo que ela nos devore lentamente.


“Na verdade continuo sob a mesma condição, distraindo a verdade e enganando o coração”

Cansado de dar murro em ponta de faca, descobri o relativismo assim que balzaquiei e com isso, abandonei o ativismo. Como era de se esperar, fiquei logo encantado com aquilo. Acreditava que ele pudesse ser bom para dar a medida exata de todas as coisas debaixo do sol. Na verdade eu ainda prefiro relativizar, mas com o tempo, precisei fazer uns ajustes, até para ser mais coerente,  para aceitar por exemplo, que a imprevisibilidade, a passionalidade e outras contradições de interesse humano, que compõe boa parte do peso da nossa alma delirante, são reais e nem sempre domesticáveis. 

sexta-feira, 2 de julho de 2010

“Quanto mais se julga, menos se ama”
Balzac
Todos nascem nus em pele e pêlos! É depois que se ganha nome, um serial de números que irão mudando à medida que o tempo passa. Também se ganha uma identidade, ou seja, uma versão familiar de sua origem e a obrigação (exceto alguns que tiveram essa parte tirada deles) de se orgulhar dela. Como pode ver, catalogar é o que fazemos melhor. A segunda coisa que fazemos muito bem é inventar motivos. Estas duas coisas levam a uma terceira que não importando se bem ou mal feita, é feita com regularidade quando se busca aproximar ao máximo do considerado familiar e se distanciar nem que seja o mínimo daquilo que se julga não-familiar.
Em um nível afetivo, quando se cataloga e inventa motivos envolvendo pessoas, o familiar pode ser o belo segundo um padrão particular, o certo, o cult, o limpo, o superior, o civilizado, o justo, o aceitável, portanto, o desejável. O não-familiar costuma ser visto como o oposto disso.
O problema é quando se vive num meio multicultural,  onde é necessário aplicar algum tipo de pré-julgamento para se determinar o que é familiar e o que não é. Uma vez feito, o que não faltam são motivos para se tomar discretas decisões catalogadas, com reacões um tanto “istas”, às vezes “óginas”, outras “óbicas” e até mesmo, “tistas”. Difícil mesmo é achar quem não ceda a alguma forma de redução ao entrar nisso e se for mesmo, talvez nada seja assim tão simplista quanto aparenta ser nesta crônica.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Sim! Poderia sim tentar ser mais leve, mais singelo, lírico, otimista até, procurando seguir um consenso, mas é bom que se saiba que dentro do coração humano sempre houve uma grande zona obscura que não gostamos muito de falar sobre ela. Para continuar fingindo que esse lugar não existe, talvez seja melhor mesmo buscar na ilusão, uma ou mais razões para seguir em frente. Talvez valha a pena sim, ainda que se perceba que há entre pregação e ação, um abismo separando de um lado, a retórica e do outro, o desejo. Sempre houve nisso essa estranha tendência para o eufemismo, como se viver não fosse naturalmente perigoso, imprevisível, competitivo, discriminatório, irracional, egoísta, cruel e por que não dizer; injusto.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

O anjo exterminador vacila às vezes e retorno duma apneia. Abro os olhos e penso que há lá fora, o céu azul-violeta estriado com vestígios de amarelo polaróide, de quanto era menino em 1972. Havia lá em casa um LP do Rod Stewart, chamado “Every Pictures Tells a Story”. Eu, que pensava que sabia inglês, sem receio algum, cantava alto “Manolin Wind” na sala, dançando com meu banjo imaginário.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Desconsiderar conselhos não deveria ser visto como rebelião, como uma afronta aos modos e a conformidade dos tratos, mas como um tipo de auto-aprendizagem. Talvez, o melhor deles, mesmo quando duro, cruel ou em alguns casos; fatal. O medo infantil prega que a total obediência ao conselho serve para tornar o inexperiente, experiente. Quer contradição maior que esta? A experiência vem do experimentar e o experiente só se torna tal, depois de sentir um evento na própria pele e tirar dele, conclusões pessoais. Se a impressão for a pior possível, isso em si, não invalida de forma alguma a experiência. Quando você se fode, quando se machuca, quando perde um dedo, uma perna, um olho ou até alguém, mas sobrevive, é isso o que te torna realmente experiente. O tamanho e às vezes, a feiúra da cicatriz, é que mostra o quanto você realmente aprendeu sobre como evitar (ou não), o que causou aquilo.

domingo, 27 de junho de 2010

Palavras possuem dois estágios assustadores. Um é quando verbais, quando simulam uma constância e veracidade que não têm. O outro é quando escritas, estágio em que podem ser facilmente vestidas com encantamentos, nos levando a crer que por existirem na forma de um registro à tinta, são incapazes de mudar e nos fazer sofrer.
O contato começou em 2003, depois de um email enviado como resposta. Em pouco tempo, já estávamos tendo conversas sobre Star Treck, Arthur C. Clark e claro, Pink Floyd. Foi durante um desses papos on line uns dois anos mais tarde, que ele comentou; “this kind of life almost certainly exists, but it could be dangerous for humans”.
Fiquei tão intrigado a respeito daquilo, que rapidamente quis saber o motivo do que vindo dele, podia ser considerado uma observação bastante alarmista. Ele então, contou que certa vez, aos 20 anos, sonhou que estava Barcelona. O local parecia o interior da Sagrada Família, mas com paredes, teto, piso e “mobiliário” de aparência e tamanho descomunais. Contudo, a pior sensação de estar ali, segundo ele, era não conseguir acordar do que parecia ser uma espécie de surto, um tipo incomum de afastamento da consciência, mas não necessariamente um mal estar ou um desmaio. Era uma forte desorientação devido ao aumento do fluxo de pensamentos desconexos em alta velocidade. Era como se estivesse cantando numa língua desconhecida, mas que inexplicavelmente a compreendia com fluência e clareza.
Ele não sabe precisar quanto tempo ficou naquele estado cataléptico, sabe apenas que depois disso, é que foi diagnosticado portador de ASL. Como foi também, somente depois de tal experiência, que algumas das respostas que tem apresentado em seus livros desde então, contém uma grande parcela daquilo que recebeu de algo não identificável, que naquele dia, viveu por um período em algum lugar dentro dele.