sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Foto: Gil Rosza



































Acto I

Foi acompanhando minha avó em uma viagem que certa vez me apaixonei por uma cidade que nunca havia estado. O irônico nisso é que dias antes de partir, fiquei com a expectativa negativa de passar quatorze noites tediosas distantes do que costumava me manter entretido no meu quarto. A solução foi comprar um livro e tê-lo por companhia até a chegada do sono.

Acto II

Passei uma tarde inteira vasculhando prateleiras, tentando achar algum título novo entre Memórias do Cárcere e Cem Anos de Solidão, no final, o que havia na minha frente eram duas antologias poéticas. Só Deus sabe dos motivos que poderiam levar um garoto de 17 anos a ficar entre dois livros de poesia.
Na época, tudo que eu sabia sobre Vinícius ou Drummond, era o óbvio, aquilo que todo mundo que lia caderno B sabia, muito mais por isso do que por ter lido algo além do que era quase de domínio público. O aparente impasse foi resolvido folheando aleatoriamente as páginas tanto de um quanto do outro. Passados alguns minutos da degustação de versos ali mesmo no balcão da Veredas, levei Drummond para dormir comigo em Juiz de Fora.

Último Acto

Um gauche não sabe que é “gauche na vida”, até ler o Poema de Sete Faces e entender de uma vez por todas que viver é bom, mas está longe de ser justo. Anos mais tarde, já homem maduro e ter recentemente sobrevivido um longo período debaixo de escombros, passei a crer que se tivesse crescido com Vinicius na cabeceira, é bem possível que tivesse até cometido um desatino, em vez do desprendimento de perceber a tempo que minha própria companhia é sim tão satisfatória quanto ter no colo_ enquanto escrevo_ o sono manso de uma gata brava chamada Scully.
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Há alguns anos, doei o livro com muito gosto, para uma causa justa. Fiquei apenas com uma única página, para poder contar essa história.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Parece que foi coisa pensada, que houve premeditação, mas juro que não. Até então, nunca havia me tocado ser possível viver à parte dessa teatralização de coisas desimportantes, mas vividas com tamanha intensidade que pareciam urgentes. É que ainda acreditava estar sob certas obrigações para comigo e agarrava a necessidade de me fornecer provas de um sentimento que já não me cabia mais enquanto seguia carregando o fardo de achar que um dia tudo aquilo poderia acordar, quando na verdade já estava em adiantado estado de decomposição.



Livre do luto, tudo levita. Até a luta fica mais leve.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O tsunami de protestos que recentemente vem assolando e derrubando ditadores no mundo árabe, só confirma o óbvio: ninguém em sã consciência quer viver debaixo de um regime que restringe um direito básico, o de viver livremente. Outra coisa que também ficou clara, é que o acesso aberto a informação é vital para tornar legítimo um processo democrático, prova disso, é que tanto a internet móvel como as redes sociais, foram cruciais no drible à censura e no eco para medir o impacto que esse tipo de descontentamento é capaz de causar na opinião pública mundial. Ainda assim, nem todos parecem ter coragem suficiente para reivindicar em praça pública, o direito de fazer as próprias escolhas.
Fora do mundo árabe, há países como a Coréia do Norte onde é necessário pedir permissão ao ditador local para coisas simples, como viajar de uma cidade a outra a fim de visitar parentes. O governo que manda na vida e na morte de todos, controla veículos de comunicação, censurando e determinando o que as pessoas podem ler, assistir ou até mesmo conversar.
Cuba é outro exemplo de regime decadente que proíbe o acesso livre à internet e toda informação disponível é filtrada pelo órgão de vigilância dos irmãos Castro.
O que se espera é que depois de caírem, tais governantes não sejam substituídos por fanáticos religiosos ou por figuras controversas como Hugo Chaves que espertamente mudou as leis em proveito próprio e se perpetua no poder através de uma ditadura marota que tecnicamente não pode ser derrubada por ter respaldo na constituição.
É claro que posso citar o Brasil como uma democracia, mas não sei se posso dizer que é uma democracia plena, pois os argumentos que costumo ouvir para justificar o voto e o serviço militar obrigatório, são simplesmente ridículos, como também não me convenceu a explicação que o respeitadíssimo jornalista Ricardo kotscho, ex-secretario de imprensa no governo anterior, deu ao Jô no ano passado, afirmando nunca ter havido um projeto da presidência para tornar constitucional uma coisa estranha chamada “controle social da informação”.



Na época dos primeiros rumores sobre o suposto projeto, kotscho se desligou do governo e não explicou os motivos, alegou apenas, razões particulares.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Monica Imbuzeiro / O Globo
Cada um transgride com aquilo que tem! Parece ser mais ou menos isso que o Caetano quis dizer numa recente entrevista, ao responder sobre a conversão dos filhos mais novos à Igreja Universal. Soube depois pelo programa da Lilian Witte Fibe no GNT que algumas pessoas no Twitter chegaram a ficar furiosas com o cantor porque viram nessa passividade dele, um ultraje à herança revolucionária que deixou.
Quando eu era comunista xiita, o termo “patrulha ideológica” servia para identificar os que tomavam conta da vida alheia, para detectar pequenos indicativos que revelassem algum pensamento divergente da “doutrina”. Era um tempo em que para se autoafirmar, se mostrar politizado e culturalmente desenvolvido, o sujeito precisava confessar uma série de coisas que adorava e outras que detestava, meio parecido hoje com os clássicos “amo isso” ou “odeio aquilo” no Orkut.

Naquela época, para ser descolado, era preciso ler regularmente O Pasquim, citar Gil e Caetano como base para algumas questões filosóficas ou conseguir “traduzir” as letras criptografadas que Chico e Vandré escreviam para burlar a censura. Falar mal do Cinema Novo era outro pecado. Sugerir que os filmes do Glauber eram chatos e complicados demais, nem pensar. O tempo passou, o muro caiu e a cruzada intelectual da esquerda perdeu força no apito, mas as “patrulhas” sobreviveram, basta dar uma geral nos Facebooks e Twitters da vida para ver que ainda continuam ativas de coturno no pé e cacetete na mão.
Daí chega alguém e diz_ mas e a liberdade de expressão? Ao publicar opiniões, o que eu entendo por liberdade de expressão é se esforçar para conseguir comunicar no mínimo de um jeito relativista, as razões de se preferir uma coisa e não outra, defender um jeito particular de pensar, evitando o proselitismo ou tentar impedir outros de criticar ideias. Nem sempre isso é fácil eu sei, mas ainda assim, acredito que qualquer tipo de fundamentalismo, seja religioso, cultural, estético ou político, só sirva mesmo para promover linchamentos e alimentar o sectarismo.