Foto: Gil Rosza |
Acto I
Foi acompanhando minha avó em uma viagem que certa vez me apaixonei por uma cidade que nunca havia estado. O irônico nisso é que dias antes de partir, fiquei com a expectativa negativa de passar quatorze noites tediosas distantes do que costumava me manter entretido no meu quarto. A solução foi comprar um livro e tê-lo por companhia até a chegada do sono.
Acto II
Passei uma tarde inteira vasculhando prateleiras, tentando achar algum título novo entre Memórias do Cárcere e Cem Anos de Solidão, no final, o que havia na minha frente eram duas antologias poéticas. Só Deus sabe dos motivos que poderiam levar um garoto de 17 anos a ficar entre dois livros de poesia.
Na época, tudo que eu sabia sobre Vinícius ou Drummond, era o óbvio, aquilo que todo mundo que lia caderno B sabia, muito mais por isso do que por ter lido algo além do que era quase de domínio público. O aparente impasse foi resolvido folheando aleatoriamente as páginas tanto de um quanto do outro. Passados alguns minutos da degustação de versos ali mesmo no balcão da Veredas, levei Drummond para dormir comigo em Juiz de Fora.
Último Acto
Um gauche não sabe que é “gauche na vida”, até ler o Poema de Sete Faces e entender de uma vez por todas que viver é bom, mas está longe de ser justo. Anos mais tarde, já homem maduro e ter recentemente sobrevivido um longo período debaixo de escombros, passei a crer que se tivesse crescido com Vinicius na cabeceira, é bem possível que tivesse até cometido um desatino, em vez do desprendimento de perceber a tempo que minha própria companhia é sim tão satisfatória quanto ter no colo_ enquanto escrevo_ o sono manso de uma gata brava chamada Scully.
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Há alguns anos, doei o livro com muito gosto, para uma causa justa. Fiquei apenas com uma única página, para poder contar essa história.