sábado, 25 de dezembro de 2010

Foi uma bacante Calcanhoto quem primeiro veio com essa! Então, mulheres do Chico, deuses do Gil e blues do Djavan, me perdoem se puderem, mas é simplesmente uma delícia comer o Caetano!

Nosso amor
Não deu certo
Gargalhadas e lágrimas
De perto
Fomos quase nada
Tipo de amor
Que não pode dar certo
Na luz da manhã
E desperdiçamos
Os blues do Djavan...



Demasiadas palavras
Fraco impulso de vida
Travada a mente na ideologia
E o corpo não agia
Como se o coração
Tivesse antes que optar
Entre o inseto e o inseticida...

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Passava já da meia-noite quando bateu a descompensada. Foi relativamente rápida, mas havia um “led” aceso nela, uma incômoda memória ativada. Quis dar um nome menos formal àquilo, sem torná-la intima demais ou até mesmo de estimação. Primeiro tentei “sofrimento”, mas não era tão enorme assim. Experimentei em seguida “falta de paz” e senti que isso não a definia com honestidade, pois ainda que não seja muito, há aqui dentro uma dose racionada disso como parte do suprimento. Imaginei que “dor” seria uma boa palavra para resolver de vez o problema, mas esta também não coube, pois se houve dor um dia, certamente já havia cessado. Por fim desisti depois de chegar à conclusão que não encontraria uma palavra para descrever o breve mal estar sentido. Optei por me render ao silêncio, especificamente nesse caso, uma absoluta ausência de qualquer reverberação de pensamento, o que me possibilitou a partir daquele momento adormecer e chegar à manhã seguinte, sem nenhum resíduo do que me acontecera horas antes.


“Representar é uma boa saída, mesmo quando isso não ajuda muito.”

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A resistência em oposição ao preestabelecido é uma empreitada bem antiga, principalmente nas três primeiras décadas de vida de uma alma corsária. É um pouco mais tarde, porém, que dependendo de como se liquidifica a informação acumulada nos anos do front, que se faz necessário repensar antigas posições. Quando isso ocorre, dissidência e apostasia farão parte de uma nova posição ao se perceber que a rebelião já não funciona mais como antes, num mundo que tende a se renovar sempre.
Em plena era do egomarketing, pode ser uma boa questionar se a bandeira levantada nos Facebooks ou Twitters da vida é de fato um modo de vida ou apenas uma manobra poser autopromocional para se afirmar como membro efetivo de uma confraria que diz contestar algum establishment apenas porque está na moda. Isso pode se tornar tão surreal, que afirmar numa rede social qualquer, não seguir moda nenhuma, pode ser uma forma eficiente de criar uma nova moda, a "moda dos que não seguem a moda”!
Por isso o mercado hoje tem tanta facilidade em aliciar rebeldes, comprar a revolução criada por eles e fazer dela um produto capitalista, midiático, com potencial para render bilhões, como aconteceu com o Napster nos anos 90 e quem sabe aconteça um dia com o clã do Julian, tão logo fique definido na praça quanto vale o Wikileaks.
Numa sociedade narcisista que fotografa, grava, edita seus autorretratos, postando-os direto de seus próprios smartphones e ainda compete depois por seguidores, se declarar ambientalista, pacifista, comunista ou consumista, talvez não seja mais tão importante quanto tentar refletir sobre as razões para se aderir a uma causa e defendê-la.



Nem só o diabo veste Prada: o vídeo da ONG Bonfire of the Brands, tenta num tom evangelizador, usar a "culpa" ao trabalhar o consumo consciente em cima do maniqueísmo (o bem versus o mal). Acho esse proselitismo bem bacana, mas também bastante ingênuo, afinal, quem deseja uma marca, original ou pirata, vê nisso uma importância muito maior que o objeto adquirido. A marca é um fetiche, uma tatuagem emocional que ostenta uma posição social privilegiada ou o desejo de pertencer a ela.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

As duas missões anteriores haviam falhado e para o atirador, aquela seria a terceira e última missão do ano. Ele se posiciona no alto de um prédio no centro velho da cidade, local ideal para vigiar entrada e saída de todos na rua. Ajusta o tripé, abre a maleta, retira e monta rapidamente o artefato. Com um binóculo varre o perímetro até localizar o alvo que veste calça branca de linho, camisa estampada com florais em estilo havaiano, chapéu panamá e sandálias de couro ecologicamente correto. Espera calmamente até que o alvo se fixe numa mesa na calçada em frente o bar. Em poucos minutos, aparece a jovem num vestido indiano lilás e parece muitíssimo interessada em cada coisa que o alvo lhe diz.
Para evitar uma possível banalização do serviço, o escritório geral mantinha regras rígidas de procedimento para os atiradores. Eles só eram escalados para três missões por ano e só podiam levar três dardos na aljava. Sabendo disso, nunca desperdiçavam oportunidades, a ordem era total concentração e atenção redobrada sobre o alvo. Após calibrar a mira e calcular a velocidade do vento, segura a respiração por cinco segundos e atira. Num movimento inesperado, o garçom que servia a mesa ao lado atravessa na frente da trajetória, a seta vaza-lhe pelas costas e crava no concreto da calçada.

Foto e Photoshop: Clinton Hussey para o Executive Search Dating (Canadá)
 A segunda tentativa ocorre uns minutos mais tarde. Antes, ele acende um cigarro, tira as luvas e aplica pó de magnésio nas mãos, tinha visto um companheiro fazer o mesmo. Em seguida, eleva em alguns milímetros a inclinação do tripé e após um breve ritual de concentração, dispara novamente. O acaso interfere mais uma vez quando o alvo se move alguns centímetros para o lado a fim de selar a boca da garota de lilás. Desta vez, a haste que passa raspando pelo alvo, fica enterrada até a metade na bunda de uma mulher que acabou de se levantar para atender o celular. O atirador levanta-se e caminha até a outra extremidade do prédio para esticar um pouco as pernas. Enquanto termina de fumar, fica pensativo observando o contorno iluminado da cidade. Quando volta à posição, o cenário havia sido alterado. A garota está agora bem mais perto do alvo. Pela mira telescópica o atirador vê quando ela pega com o seu hashi, um pedaço de camarão, mergulha-o no molho de raíz-forte e coloca-o cuidadosamente na boca daquele que parece corresponder sem reservas aos encantos dela. É nesse instante que acontece o terceiro disparo...

... Longe dali, horas depois.

O atirador se posiciona no topo de outro prédio. Tem daquele ponto, uma visão ampla e sem obstáculos do apartamento onde reside o seu alvo. Ele não estava lamentando a falta de sorte por ter falhado três vezes seguidas, o que pelas regras da administração, significava que teria de ser afastado do caso. Tinha seguido o alvo até casa dele, porque ficou obsessivamente curioso em saber como as coisas terminariam àquela noite e antes de partir, teve tempo de sobra para observar através do binóculo, a garota despir-se do vestido lilás, retirar do seio esquerdo a longa flecha ainda em chamas e finalmente, mais sorridente do que antes, sentar-se sobre a festa em riste que havia naquele momento no colo do alvo.

domingo, 19 de dezembro de 2010


Foto e Photoshop: Sarolta Bán
 Para o sociólogo Jean Delumeau, o medo não é uma certeza sobre um evento negativo iminente, mas sim uma expectativa negativa em relação a esse evento, um desconforto ansioso causado justamente pela incerteza. A capacidade humana para refletir sobre o medo é uma característica forte o bastante para unir culturalmente quase todos os povos ocidentais em torno de uma única ideia; “Não desejar morrer, sofrer, nem perder queridos próximos, mas se isso realmente tiver de acontecer, que ocorra quase sem dor. Caso a dor seja inevitável, então que ela se torne honrosa como num sacrifício”.
Essa tem sido nossa milenar barganha com os deuses século após século imolando virgens, realizando oferendas, proferindo orações entre varias outras demonstrações de culto. É o que damos aos céus como expiação para encobrir pecados visando salvação, redenção ou a simples esperança de refrigério agora no presente e de um julgamento final favorável no futuro.
Segundo Delumeau, quando declaramos publicamente nosso amor incondicional ao divino, na verdade, o que estamos sentindo é um medo terrível deste ente supremo se aborrecer conosco e nos castigar na pele, quem sabe até coisa pior; atingindo os que amamos com mais sofrimento depois de uma morte sem paz. Toda vez que juramos fidelidade à alguma divindade demonstrando isso através de algum tipo de adoração, estamos mesmo é trabalhando em interesse próprio a fim de receber uma recompensa.
Caso existisse no imaginário humano, um deus que apenas nos observasse sem se apiedar, que nada pedisse, nem prometesse nada em troca de uma vida devotada a ele, seria o mais solitário dos deuses. Nunca haveria para ele um templo, um altar, uma classe sacerdotal, muito menos um rebanho disposto a segui-lo com fé.