Nada mais anacrônico que desejar que o passado continue servindo de orientação para tentar organizar o presente. Falo isso porque às vezes sinto falta de contestadores que usem o romantismo como aríete para derrubar acomodações do pensamento. Falo de contestadores mesmo, como os que fizeram parte de uma geração de Quixotes esguios e inflamados como Saramago. Depois caio em mim e reconheço que os tempos hoje são outros, assim como os desejos.
Quando um Saramago mais jovem zanzava pelas ruas de Paris, o Ocidente era tão hermético em seus equívocos autoritários que dividia o pensamento em duas partes tão inconciliáveis que somente uma pena ferina como a dele e a de outros amigos da “Confraria de Paris”, é que seria capaz de despertar corações jovens para a urgência de uma revolução de ideias que contrariasse certezas impostas. Saramago defendeu a liberdade de pensamento com tanta veemência que quando achou necessário atacar a Igreja Católica e mais tarde romper com um dos amigos mais próximos, fez sem titubear. Nisto, ele atuou brilhantemente como um sacerdote até que de repente, num susto, o mundo mudou inesperadamente, contrariando tudo o que era esperado pela geração dele. Pouco tempo depois (1995) ele escreve “Ensaio sobre a Cegueira”, talvez, uma fábula profética sobre a rendição passiva do Ocidente ao neoliberalismo, ao individualismo e à superficialidade feroz dos tempos que estamos vivendo hoje.