A mania de buscar num afeto (o objeto) uma forma de arrancar grandes pedaços na paz que reside em nós é muito antiga. Lá pelo século XII, um abade francês interessado em relações humanas registrou pela primeira vez, as regras dos jogos sociais com objetivo de aproximar casais e promover núpcias na Europa medieval. Naquela época, as bodas eram um ritual social tipicamente dos ricos ou nobres, embora nem todos os nobres fossem ricos. O cara era André Capelão e o livro, o famoso “O Tratado do Amor Cortês”. “Cortês” porque se tratava estritamente do “amor” na corte e foi justamente dentro das cortes européias que poetas e menestréis começaram a propagar o “amor erótico” como sendo um sentimento inquestionavelmente puro e superior a todos os demais. Usei de propósito o termo “amor erótico” apenas para citar que o “erótico” teve de ser substituído mais tarde por “romântico”, uma vez que “erótico” lembra sexual, e sexo como se sabe, era um pecado sério pela ótica da Igreja. Erotizar o amor era bater de frente com a idealização do amor-divino que passou a constar na parte religiosa dos rituais cristãos de núpcias. Era por isso que tais rituais só podiam ser realizados por um sacerdote e obrigatoriamente dentro dum templo. Passados séculos desde Capelão, continuamos não só presos ao conceito do amor (erótico) como o mais nobre dos sentimentos, mas também acreditando que se dedicar a ele incondicionalmente, é a coisa mais importante que alguém pode fazer na vida. A crença nisso é tão forte que até o Jobim teorizou; “é impossível ser feliz sozinho”.
E assim seguimos cultuando o amor erótico como superior a tudo o que existe na vida e adoramos pensar assim, pouco importando os desagradáveis efeitos colaterais que costumam vir junto com ele. Parece que herdamos essa adoração ao amor (erótico) da literatura dos colonizadores europeus que além da língua, assimilamos também a base dos hábitos contidos nos valores que formam a nossa vida privada. A superioridade do amor (erótico) estava presente tanto nas “Histórias de Cavalarias” na Idade Média, quanto nos romances e folhetins produzidos por autores ligados a um feroz, passional e afetado movimento do século XVIII, chamado Romantismo. Então, a partir do século passado o romantismo (leia-se; amor erótico) virou não só uma forte doutrina para os que buscavam fervorosamente celebrar rituais de núpcias, mas também um rentável produto nas mãos de empresários do entretenimento em Hollywood. O mesmo fenômeno de vendas pode ser visto atualmente nas telenovelas, na verdade, netas legítimas dos folhetins. Hoje em dia, somos mais filhos do amor erótico da “cultura pop” que do amor fraternal dos evangelhos, a ponto de passarmos o dia inteiro sem pensar em outra coisa que não seja querer ser amado, uma vez que o amor erótico exige que sejamos correspondidos. Nos tornamos tão obcecados na coisa de querer primeiro; ser amados (leia-se; desejados), que diariamente respiramos amor, comemos amor, bebemos amor e claro; sofremos até chorar sangue por amor. Se tudo isso ainda não for suficiente, morremos ou até mesmo matamos... mas sempre por amor.