sexta-feira, 8 de abril de 2011

Chegando ao bicicletário, ficou impossível não reparar no pacote peludo na cesta do guidão. Grande, bonito e rajado, ficou claro depois da boa receptividade aos afagos, que também era doce, amistoso, porém, nem tão jovem. Bastou um giro no corpo depois de colocá-lo no colo e uma olhada mais precisa, para revelar que na verdade, era ela. A partir de então, dois sentimentos surgiram repentinamente, um foi o desejo de levá-la para casa, o outro, o medo de que em vista de algumas urgências que estavam se acumulando durante o último ano da faculdade, isso poderia não ser uma boa. Ao certificar-se de que a “pessoa” amarela e branca com listras marrons não pertencia a ninguém daquele lugar, deixou com a gerência um número para contato, caso houvesse reclamação. E lá foram as duas, confiantes em tudo, como se aquele trajeto, pedalado entre o estacionamento do Walmart até o apartamento, tivesse sempre feito parte do dia-a-dia delas.
Com o passar dos meses, uma até já sabia o que a outra pensava, antecipando telepaticamente pequenas ações quase imperceptíveis. Um dia, quando as economias permitiram, o velho notebook branco passou a coexistir respeitosamente com outra engenhoca da maçã mordida. Daquele momento em diante era comum vê-las deitadas sobre o tapete da minúscula sala ao redor daquele retângulo luminoso. Enquanto uma tocava com a ponta dos dedos a tela brilhante, abrindo e fechando aqui ou acolá, páginas e mais páginas de leitura, sobrevoando alguma cidadezinha da Escócia, a outra parecia mais interessada em fotos de esconderijos de papelão e arranhadores.

Foto: Diane Howe / Europress
Assim, seguiam-se dias e noites sobre o tapete, em cima da cama ou no sofá, com a beladona de grandes olhos esverdeados, eriçando vibrissas para tudo que popapeava e girava dentro da telinha cheia do que se ver, ouvir, tocar e arrastar. Não foram poucas as vezes que a curiosíssima criatura balançava o rabo como se também estivesse entendendo os muitos emails engraçados enviados diariamente por um tal abbaco_120@yahoo.com.
Como fazia toda manhã antes de sair para o trabalho, tomou banho, trocou de roupa e colocou no pratinho o punhado de ração. Chamou a companheira de patas brancas para juntas, tomarem o café da manhã, mas não houve resposta. Na sala, sobre o tapete, o tablet ligado com o teclado virtual acionado e o editor de textos aberto. O cursor ainda pulsava logo depois de uma série de frases engatadas sem vírgulas e palavras sem acentuação. Em algumas poucas linhas escritas em Britannic Bold, no corpo 14, um bilhete carinhoso, que entre outras coisas, agradecia a dona do ipad, pela acolhida, pelo afeto e pela  amizade inesquecível nos últimos meses do que tinha sido o final de uma sétima vida.

domingo, 3 de abril de 2011

Houve um tempo que era preciso odiar comunistas porque eles “comiam criancinhas” e os comunistas por sua vez, odiavam religiosos, porque religião era o “ópio do povo"! O tempo passa, o que não passam são os "motivos justificáveis" para odiar o que cada lado considera repulsivamente ser o seu oposto. Recentemente o jornalista da Globo News, Caio Blinder, comentou que em vários lugares da Europa e nos Estados Unidos, está havendo uma espécie de ressurreição da direita extremista de língua furiosa. Segundo ele, o alvo desta vez, não são invasores comunistas, que já não representam mais tanta ameaça quanto durante a Guerra-Fria. O objeto das ações e declarações de ódio, agora, são imigrantes vindos de países pobres, homossexuais, evolucionistas e muçulmanos.
No Brasil, que vem passando nos últimos anos por uma grande reforma religiosa e onde uma parcela da sociedade é reconhecidamente sexista, racista e homofóbica, não é de estranhar que um dos citados no caso mais falado da semana passada, justifique o noticiado da seguinte maneira:

“O que a família Bolsonaro faz nada mais é do que valorizar conceitos e valores da família, valores éticos, valores morais e certamente isso incomoda muita gente”.

Usar valores morais e a defesa de bons costumes como desculpa para o “discurso do ódio” não é novo e foi feito com sucesso por nazistas, contando na época com franca aceitação popular. Aliás, basta conhecer um pouco de história, para perceber que reunir simpatizantes, sempre foi um dos objetivos do marketing da intolerância, seja ela religiosa ou política. Não é difícil cooptar mentes a procura de se encaixar em uma identidade coletiva. Dos jovens mártires de Alah, passando pela conhecida xenofobia das torcidas espanholas dirigida à jogadores estrangeiros, fazer do ódio gratuito um tipo de ícone pop de consumo para os que se consideram religiosamente “escolhidos” ou socialmente “superiores” não é incomum, principalmente em países formados por um certo pluralismo cultural.
Nos EUA, por exemplo, o que anda tomando corpo é usar a bandeira dos “valores morais e de família” para a propagação do ódio como uma causa cristã legitima. Na semana passada, o pastor da Igreja World Outreach Center, Terry Taylor, finalmente cumpriu a promessa de queimar o alcorão diante das câmeras de TV. Outra prova da insanidade alimentando ataques extremistas em “nome de Deus” contra “pecadores” pode ser vista pela cruzada da Igreja Batista Westboro, apelidada de “Igreja do ódio”. Para ela, homossexuais devem queimar no inferno porque como consta em seu conhecido slogan: “God hates fags” (Deus odeia veados)!


Para Ken Pagano, pastor da Igreja New Bethel, no Kentucky, andar armado não é pecado.

A julgar pela quantidade considerável de expressões de solidariedade e aprovação que os Bolsonaro receberam pela internet, inclusive com colaboradores "hackeando" e tirando do ar o site da Preta Gil ou postando textos bíblicos no site da ABGLT, não é difícil imaginar que tais promotores dos “valores morais e familiares” já não estejam semeando por aqui, algo que esperam colher no futuro.
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O Manual da Lavagem Cerebral:

Brainswashing - The Science of Thought Control
Kathleen Taylor, Oxford University Press, 2006