sábado, 18 de julho de 2009




RIBEIRÃO PRETO
16 de outubro de 2006
03h15

_ Tu não tinha parado de fumar?
_ Não to fumando. Peguei o cigarro, mas não vou fumar.
_ Perdi o sono. Achei que ficar aqui na sacada vendo a lua cheia não fosse te acordar.
_ Eu não tava dormindo. Tava de olho fechado mas não dormindo.
_ [rindo] Já pensou se a gente fosse casado? Aguentar isso toda noite...
_ Tu acordando de madrugada pra fumar?
_ Eu não fumo mais, tô falando da minha insônia.
_ Taí uma coisa que não ia rolar. Não, eu aturarando sua licantropia, mas tu e eu casados.
_ Hipoteticamente...
_ A ideia até que me agrada, mas é totalmente contrário à minha religião.

_ [ silêncio ]

_ Cê nunca esqueceu dela né?...
_ Não casaria comigo só porque eu ainda penso nela? Achei que fosse pela sua rejeição a coisa de relação estável debaixo do mesmo teto.
_ Não mudei não. Esse é um dos motivos de não querer morar com o Júlio. Ele vive insistindo, mas gosto desse apartamento só comigo. Gosto de saber que ele aqui é só um hóspede, como tu. Alguém de passagem que não vai se apropriar da minha fortaleza da solidão. É bom poder escolher quando quero ou não ficar só.

_ [ silêncio ]

_ Depois... relaxa, falei dela só pra zuar contigo! Desculpa vai? Quantas vezes tu já pensou nela hoje?
_ Vamos falar sobre rúcula?
_ Tu não tem jeito né? (dá um leve tapinha nas costas dele). Ela te fudeu ô! Vê se aprende!

_ [ silêncio ]

_ Pensa numa coisa; tem uma cara de tempo que a gente é amigo, sem peleia nem babaquice. Eu com meus segredos e tu com os teus. Não tem cobrança, nem posse, nem ciúme! Sabe por que? Porque a gente nunca quis ser outra coisa. Nem namorados, nem amantes, nada a não ser dois amigos que se curtem muito. Lembra quantas pessoas já passaram pela nossa vida? Lembra que eu quase casei quando tinha 20? Me fudi tantas outras com um bagual atrás do outro, lembras? Tu também. Era casado quando conheci, depois separou, casou e descasou novamente, até que conheceu ela e ficou assim desse jeito. Nós ao contrário, aqui juntos como sempre, tá certo que nem sempre perto, eu sei, mas sempre juntos.
_ Segurando as barras...
_ (rindo com cinismo) Tu segurando meu peito pré-balzaca e eu o teu pau pré-tiuzão, mas aqui, juntos e rindo depois disso tudo. Casar pra que? Pra acabar com essa paz macia que a gente tem?

_ [ silêncio ] E o Julio?

_ O Júlio acoa e espuma de tanto ciúme. Foi difícil pra ele aceitar que a namorada tenha um “melhor amigo” homem, mas agora parou um pouco de falar. Ele sabe que somos amigos de bem antes.
_ To perguntando se ele sabe...
_ ... Que tu me come e que adoro que me comas? Pirou? Por que deveria saber? O Júlio é um cara que eu adoro. Quer saber? Taria mais a fim de casar com ele que contigo. É o namorado que to na boa há mais tempo! Mas tu guri, és tu. Fica caçando explicação não! Certas coisas não são pra ter nome! Seria uma bosta se a gente fosse casado agora. Em vez de estarmos aqui na sacada do meu apartamento vendo a lua, eu taria mentindo pra tu e tu mentindo pra mim, eu reclamando da rotina, do tédio, das contas. A gente ia ter dia e hora marcado na folhinha pra trepar! Ia ser uma merda. Numa hora a gente ia brigar por causa disso e logo tariamos separando, odiando e falando mal um do outro pro amigos. É por isso que não quero morar com o Júlio. Nem aqui, nem na casa dele. As estórias não mudam! Todo começo é legal, gostoso, mas depois alguma coisa fode com tudo, geralmente é o ciúme mesmo, e uma estória legal, acaba virando aquele desespero passional que a gente ta cansado de ver acontecer com todo mundo. Viver junto debaixo do mesmo teto é o que destrói os amores!

_ [... ]

_ Cê sabe onde ela anda?
_ Me mandou um e-mail um dia desses, mas não respondi.
_ E o cara?
_ Voltou. Ela ficou na Austrália com a filha. A menina fez três anos agora.
_ Outra hora me conta tudo. Vamo voltar pra cama agora? Aproveita e me dá aquela barrona de Hershey`s que tu andas me sonegando. (rindo com sarcasmo) To louca pra sabotar minha dieta. Vamo voltar pra cama, deita a cabeça no meu colo e a gente fica vendo besteira na tevê até pegar de novo no sono.