sexta-feira, 23 de abril de 2010

Tenho tentando reduzir um pouco o hábito de usar de psicologismo em certas coisas que comento. Falo em reduzir, porque não acredito que para algumas pessoas, seja possível eliminá-lo completamente do palavrório, afinal, há uma penca de gente morando dentro da minha cabeça, sublocando meus pensamentos e usando a minha boca. Às vezes, o psicologismo entra na parada como um recurso para tapar buracos estratégicos naquilo que não se quer aceitar ou como uma forma de justificar o que por alguma razão não está dando certo. Para tentar conseguir algum êxito nisso, tenho me esforçado para evitar generalizar certas situações, o que me expõe a inúmeras contradições, pois fazer generalizações e simplificações é um modo eficiente de buscar adeptos na ânsia de validar as próprias certezas até mesmo quando o objetivo é tentar mostrar que não se dá tanto valor assim a elas. No fundo é forte a ilusão de que a maioria das coisas acontecem exatamente do mesmo jeito para todo mundo. Num antigo blog já extinto há séculos, virava e mexia, eu vivia afirmando coisas com a boca cheia de convicções, como se a minha percepção de uma situação aparentemente comum fosse a mesma que a de todos. Seguia tolamente inflexível enquadrando tudo numa certeza irritante, até que um dia...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Algumas coisas sabemos logo de cara, já outras demoram um pouco mais. Foi assim que ele, no ano que complentou sessenta anos, tentava explicar à jovem com quem tinha um namoro recente, o motivo daquela viagem e porque era importante que ele a fizesse sozinho. Ela entretanto, além de não concordar, achava inútil ir até a Europa para perder tanto tempo numa peregrinação em busca de sabe-se lá o que. O que ele não havia dito a ela era que naquele momento passava por uma amarga crise financeira nos negócios e estava convencido de que fazer o Caminho de Santiago, sob duras privações, o ajudaria despir-se da crença no dinheiro como única fonte de segurança.
E ele foi sozinho, passando com certo êxito em cada etapa. Conheceu pessoas que jamais pensou que um dia dividiria com ele um prato de sopa de lentilhas, ouviu histórias inacreditáveis, chorou sozinho numa noite, bebeu do que não tinha no rótulo o nome Evian, teve bolhas nos pés, sentiu-se sujo, esfolou os dedos de tanto segurar seu cajado, pela primeira vez na vida dormiu ao relento, mas também achava que sentia uma ligação com algo que de fato o supria. Depois de muitas semanas conectado ao que já considerava divino e finalmente bem próximo de encerrar o percurso, resolveu conectar-se novamente ao não divino, plugando o iphone para recarregar na tomada duma casa modesta onde pernoitou.
E foi na manhã seguinte, na estrada, quando os Pirineus não eram mais barreira para conexões tecnológicas, que o aparelho no bolso da bermuda vibrou. Era o sócio com uma lista interminável das piores noticias sobre o que ele ainda não sabia. O que ele também não sabia era que aquela forte dor no peito e no braço, não era cansaço, que não adiantaria passar a bandana molhada na testa, nem tomar um gole do cantil. Ali, debaixo da sombra duma grande árvore, ainda não passava pela cabeça dele, que em alguns segundos, aquela bela paisagem rural na França seria a ultima coisa que veria.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Não é que o Luis tivesse muito a fim duma conversa, mas sentado ali sozinho num balcão de botequim tomando uma cervejinha àquela hora da manhã em plena quarta-feira, era quase uma falta de ética não prestar atenção quando alguém senta tão próximo e começa puxar papo. No caso do desconhecido ao lado dele, o papo começou assim bem geralzão, até passar para detalhes da vida pessoal do Luis. Coisas que ele simplesmente não havia contado nem a Deus. Cabreiro, com razão, quis saber se aquilo era alguma brincadeira, se o figura ao lado era algum vidente, um médium ou algo assim e ficou esperando uma explicação para o tal desconhecido conhecer detalhes íntimos tão precisos quanto verdadeiros da vida dele. Daí o homem olhou-o com um olhar etílico a meio mastro e perguntou se ele não tava desconfiando de nada. Luis ensaiou uma risada e respondeu_ Tu não tá querendo me dizer que você é... ! O homem riu e perguntou o porquê da dúvida, afinal que prova poderia ser melhor que aquela? Repartir as águas da Baía de Guanabara e irem andando até Niterói? Tirar o Cristo do Corcovado e botar em Copacabana?
Depois de perguntar ao estranho de qual hospício ele havia fugido, Luis lembrou-o que também tinha DVD em casa e que havia uma porrada de filmes com aquele enredinho manjado, porém, de todos, o melhor ainda era o do Cacá. Percebendo que o papo tinha zerado, num ato de camaradagem pagou as duas contas, se levantou e foi saindo. Quando já estava lá fora, pensou que por mais absurdo que aquilo tudo parecesse, melhor era não abusar, afinal, quem poderia saber?
O homem continuava lá, sentado no mesmo lugar. Luis dessa vez se aproximou bem mais reverente e perguntou_ E ai? Tem alguma bomba pra revelar sobre o fim do mundo? Alguma profecia pra humanidade? Eu vou morrer hoje né? Como será meu futuro?
E o homem, que já estava na terceira garrafa, disse_ Relaxa! Falar do futuro a essa hora da manhã é besteira, senta aqui, toma mais uma comigo, aproveita que você também não tá fazendo nada e me faz companhia um pouco!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Caetano no show Circuladô/ JOKERMAN

"So swiftly the sun sets in the sky,
You rise up and say goodbye to no one.
Fools rush in where angels fear to tread,
Both of their futures, so full of dread, you don't show one.
Shedding off one more layer of skin,
Keeping one step ahead of the persecutor within".

Bob Dylan



Jokerman! Eu preciso parar de crer, pra poder seguir em paz!

domingo, 18 de abril de 2010

Muitas vezes o pior de um problema não é o problema em si, nem as perdas e danos que talvez venham inevitavelmente com ele, mas quando fica flutuando sobre nossas cabeças, sem uma definição. Se pelo menos caísse logo e nos esmagasse ou então se subisse duma vez e desaparecesse na altitude, quem sabe assim nos libertaria desse Déjà vu maldito que teima em ficar entupindo nosso tráfego de pensamentos até quase sufocar? Esse cai-não-cai, só contribui para deixar tudo mais difícil, a presença diária duma situação crítica nos assombrando quando deveríamos estar em direção a uma nova fase de coisas. Entretanto, isso fica ali, pendendo, balançando, indefinido. Com o tempo, percebemos que está se perdendo muito mais vivendo nesse irritante stand by, que se tivesse acontecido o pior, pois o pior quando chega e defini, também encerra, abrindo inclusive, oportunidades para novas escolhas, cuidar devidamente dos ferimentos, juntar os cacos, colar o que for necessário para de alguma forma, recomeçar. Afinal, diz aí, o que pode ser pior que sentir o tempo passando e nada acontecendo, enquanto sofremos de hora em hora, por algo que não é uma coisa e nem outra, que simplesmente não se mostra nem como perda, nem como ganho?