quarta-feira, 13 de janeiro de 2010


Numa madrugada destas, estava assistindo ao Eyes Wide Shut . Tá certo que nem é um dos melhores filmes do Kubrick, mas vale a pena pela abordagem do tema “segredos pessoais” entre casais e de como isso é parte de um tabu prá lá de perigoso entre os que creem estar numa chamada relação estável. Talvez, uma das maiores ilusões geradas por uma longa convivência íntima, seja a de que o compartilhamento do mesmo espaço físico dentro de uma casa, também significa compartilhar tudo o que se passa dentro da cabeça dos que dividem uma cama. Tem quem defenda que num casal, a existência de um espaço privado para guardar as próprias fantasias seja necessário. A razão é que isso talvez tenha uma importância bem maior na vida das pessoas do que elas mesmas costumam admitir. O problema é que no modelo que usamos, tal possibilidade é também inaceitável, pois para um casal que acredita estar vivendo sob a benção das transparências, a existência de segredos não compartilhados, pode ser um tiro mortal no acordo de confiança que fizeram. Então, quando alguém decide ocasionalmente visitar o seu quartinho das fantasias, para evitar confronto, costuma ocultar isso do parceiro. No fundo, cada qual sabe da existência de desse local secreto dentro deles, sabem também que mesmo dentro de uma união amarrada pela sinceridade, um jamais dará ao outro a senha de acesso a esse compartimento. Agora imagine isso num mundo onde todos estão “online”, onde a facilidade de estar em contato virtual com alguém é mais que possível, inclusive podendo fazer isso secretamente? Achar que o amor da sua vida, a mulher que te adora, num momento de tédio ou de autodescoberta, não irá flertar via MSN, Skype, Facebook, com outros só porque vocês são almas-gêmeas e estão intensamente apaixonados é no mínimo manter os olhos bem fechados tal como no título do Kubrick.
É evidente que tentar dar “provas de fidelidade” através de medidas cândidas como ceder suas senhas pessoais, fornecer uma lista dos seus contatos na internet e esperar (ou exigir) que o outro faça o mesmo, só contribui para alimentar mais ainda a crença infantil de que entre dois amores não existem segredos. Sempre há um jeito de burlar qualquer pacto de transparência e continuar tendo acesso às próprias fantasias, bastando para isso, criar novas contas e novas senhas. Parece que para muitos, saber viver saudavelmente com essa realidade pós-moderna, talvez seja hoje em dia, a prova de fogo para a estabilidade das relações. Quem acha que consegue relaxar e tentar viver com o mínimo de paranóia em relação aos “acessos secretos” que seus parceiros fazem diariamente, pode estar levando vantagem na tentativa de se ajustar a isso que o Zygmunt Bauman
acredita que está aqui para ficar e que não tem mais como mudar.