Não sabia ao certo quanto tempo, mas certamente eram muitos os meses que eu não dava as caras no Baixo. Razões inquietantes me fizeram trocar a Ataúfo de Paiva pelos arredores da Rua do Lavradio. Certamente devido a esse sumiço, assustei ao ver o Domingos ali na mesa de sempre, mais envelhecido amparado pelo copo de chope, a bengala e um cigarro. Passei por ele, beijei-lhe a testa e selei a Priscilla, depois fui para mesa que o Madureira havia gentilmente guardado. Em menos de dez minutos ela chegou arrastando alguns olhares. Embora tenha somente vinte e quatro, a saia indiana, a camiseta regata com estampas de pena de pavão, o All Star amarelo e a bolsa feita com retalhos de couro pintado, faziam dela o clichê perfeito de algo muito próximo a 1972. Uma das coisas que estranhou em mim foi a ausência de algo alcoólico na minha frente, a outra, foi uma certa calma, quase alienação quanto a algumas questões que tempos atrás, me fariam discursar em cima dum banquinho. Logo após algumas garrafinhas de H2OH e uma pequena porção de provolone, concordamos que o encontro era mesmo para reafirmar o que há de mais valioso numa relação: a amizade. Estavamos ali pelo desejo de matar a saudade da presença sem uma razão especifica e não mais pra sair e transar tórridamente furiosos com antes, nem para fazer nenhum tipo de promessa passional que iria resultar num arrependimento mais tarde. Estávamos era sentindo falta da amizade mesmo. Queríamos quebrar um pouco o peso da solidão de estimação que todos sabemos que mora conosco diariamente, mas de um jeito menos utilitário. Desfrutar do amor à Mário Quintana, num abraço terno, pequenas confissões, perguntas ainda não feitas, alguns beijos molhados, uma pitada de saudosismo e quem sabe, sair de lá seguros de que todas as razões justa ou nem sempre, que inevitavelmente separam os casais mais convictos da eternidade de seus amores, não teria razão alguma em nos afastar além do que a correria do dia-a-dia já faz, justamente por nunca ter havido entre nós, o velho esquema dos romances que acendem iluminando o céu das certezas, um pouco antes de virarem uma borra de carvão feita de memórias a serem deletadas.
Marielle: O seu silêncio é a nossa voz!
Há 6 anos