sexta-feira, 1 de agosto de 2008


O passado pode se tornar uma entidade que solicita regularmente que se cumpra uma liturgia chamada nostalgia. Em principio é um processo saudável e bastante comum depois de se viver algumas décadas. É fácil nos sujeitar às lembranças não com carinho calmo e terno de quem guarda queridos, mas como quem se prende a um fetiche. Em torno da nostalgia, criamos história, identidade, arqueologia, tradição, mitologia, cultura. O lado obscuro disso é quando o registro guardado não contém as imagens que costumam adoçar nosso sorriso ao serem buscadas. Se for esse o caso, o passado se torna um uivador medonho, um arrastador noturno de correntes no sótão, cuja existência se destina somente a um propósito; impedir que tenhamos uma noite tranqüila.Quem é constantemente visitado pelo que não tem mais como ser consertado, modificado, arrumado, sofre duas vezes como diz o ditado. É como abrir a tampa de um pote com algo orgânico que se decompõe lentamente. Quando a gente vira prisioneiro dos nossos próprios pensamentos, o remoer passado costuma não ter fim. Quer seja para lamentar uma amargura ou para desejar a volta de uma felicidade já extinta, a asfixiante paralisa causada pela retenção sem propósito prático do que passou, pode nos privar de aproveitar pequenos deleites que o presente deixa generosamente ao nosso alcance para ser beliscado antes das refeições. Situações breves, coisas simples que tecem o cotidiano numa terça-feira comum entre contas e noticias que não lemos e nem vemos, delícias corriqueiras que se forem percebidos com mais atenção, podem gerar um prazer novo. Curto sim, perecível, efêmero sim, mas certamente tão significativo como prova da nossa existência que seria de fato, um grande desperdício deixar que passem do presente atual para um novo passado, sem deixar algum registro em nossa memória.