quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Deitados no escuro, olhando para o teto, eu e Scully. Ela hipnotizando a lagartixa que parecia já meio tonta e prestes a despencar, eu esperando um sono que nunca caía. Em vez, de contar carneirinhos, achei mais divertido listar mentalmente pequenos prazeres e tentar medir o grau de satisfação que poderiam gerar ao entrarem como num jorro no sistema.
A lista mesmo nem chegou a ficar muito longa, mas dentre uns poucos pingados, não pude deixar de incluir as “respostas de abater perguntas cretinas”, algumas destas, além de invasivamente mal educadas, soam preconceituosas e por isso, bem que merecem sim uma resposta que além de servirem para enxaguar a própria alma, não fornecem propositalmente aos inquisidores o que eles mais querem: assistirem sua medrosa rendição ao menosprezo com uma justificativa acuada. No entanto, o melhor das respostas de silenciar cretinos, é que depois de educadamente disparadas sem agressividade ou rancor ideológico, arqueia no avesso da boca um sorrisinho irônico, invisível sim, mas extremamente retesado de tanta satisfação.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011


Numa época anterior a fragmentação da sensação de passagem do tempo em números, quando nada ainda tinha nome, quando as civilizações não haviam sido pensadas, os humanos eram hordas peladas, soltas como crianças à mercê da natureza. Quando não havia sequer o “pensamento mágico” para inventar as palavras de explicação, o caldo químico que saltava de um neurônio ao outro numa cabeça recém homo sapiens, era pensamento abstrato, fluindo rápido, básico, desorganizado, infantil. Toda urgência era cio, fome, falo e medo. Em algum momento dessa madrugada, despertou-se uma autoconsciência que nos deu algum sentido, a linguagem nos deu parâmetros, a escrita nos deu beleza.
Tábua de argila, papiro, pergaminho, papel, ipad, oled, singularity. O registro em qualquer mídia das interpretações da realidade será sempre um jeito de desacelerar um pouco o pensamento para que possamos vê-lo.


domingo, 20 de fevereiro de 2011

Ilustração: American Issues Project



























Chega uma hora que infância precisa acabar. Não tanto pelo desejo de que isso aconteça, mas pela necessidade de ganhar um tipo de resistência que não é possível ser obtida vivendo numa infância. Para uns, o fim da infância chega bem cedo na vida e para outros um pouco mais tarde, dependendo do tipo de cerca de proteção que existe em volta.
O fim da infância é o começo da consciência das próprias dores, da percepção da solidão, da constatação de que não adianta ficar se lamentando, pois nada é justo ou injusto. Na infância, aqueles que pensam ser protetores, administram periodicamente em uma mente pueril e sugestionável, doses concentradas de ilusão para impedir que a dor se propague numa forma mais intensa. Para cada realidade crua, há uma “mentirinha de amor”, a fim de amenizá-la, um eufemismo homeopático para tentar proteger o querido do sofrimento. Com o fim da infância, nota-se que o efeito desse alucinógeno, passa mais rápido a cada dose e logo surge a necessidade de achar novas “mentiras benignas” mais potentes para anestesiar o desconforto das frustrações e das perdas.
Reza a lenda que num lugar ainda não encontrado, há uma papoula mitológica de onde se extrai a felicidade. Acredita-se que o efeito analgésico desse ópio seja tão poderoso, que faria o sofredor esquecer por tempo indeterminado que dor constante é tudo o que existe.