sábado, 21 de novembro de 2009

Um amigo apareceu aqui ontem lá pelas tantas da noite. Estava meio agitado, cheirava a cerveja e dizia estar cansado das argumentações sem fundamento, usadas apenas para tentar provar quem tem mais razão. Se sentia cansado do ciúme fantasioso, do teatro para tentar fazê-lo se sentir culpado. Bastava pensar um pouco mais em projetos pessoais, para a falta de sintonia até pra decidir coisas banais, gerar uma feroz discussão inútil pelos mesmos motivos banais. O que alivia um pouco a minha culpa de estimação, é isso, é perceber os amigos da mesma geração se debatendo diariamente no mesmo tipo inferno doméstico.
As pessoas não são iguais, graças a Deus, nem suas histórias, obviamente. O que parece não mudar nunca nessa cotidiana intimidade pequenoburguesa é a insistência em usar, seja por comodidade, falta de criatividade, por formação, tradição, medo da solidão ou medo de sei lá o quê, o mesmo modelo popularmente aceito de coabitação. Em muitos casos, usa-se até as mesmas palavras com a mesma entonação_ “filhão”, “maridão”, “benhê”! O problema é quando alguns começam a pensar sobre suas vidas e se descobrem não compatíveis! Não à pessoa com quem dividem a mesma cama, mas ao papel que cada um decidiu representar dentro daquilo. Conheço casais que depois de separados e morando em casas diferentes, voltaram a se encontrar outra vez, mas como namorados apenas e sem chance alguma de voltarem a viver novamente debaixo do mesmo teto.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

[fado vermelho] Certos meninos precisam urgentemente de salvação. Uma que os libertem de um encantamento muito antigo. Eles nunca sabem de nada, apenas que há uma dobra oculta numa fresta de blusa, a ponta de uma rocha de carbono e mais abaixo, uma meia elipse que desce até tocar o debrum nas portões dum local secreto de adoração. São cativos sem estarem à ferros, mas não menos ávidos por se tornarem escravos duma senhora em pêlos. É quando a braguilha ferve, umedecendo certas àreas internas deixando-as como quando em febre alta. Olhares perdidos dentro das órbitas, acreditando serem os novos filhos de Zeus, quando na verdade não passam de uma matilha de vira-latas alegres ladrando a cada noite de lua cheia.
Ao contrário deles, elas sabem de tudo, mas jamais confessam! Fingem ser normal o elástico marcando a pele eriçada. Sabem que alguns deles não tem controle algum diante do que existe debaixo das camadas de restrições protegidas por meias e anáguas. Sabem o quanto isso representa para eles, um matadouro, um fado avermelhado de onde não há nenhuma possibilidade de se escapar. Não há forças para recusar tanto apelo fingindo não ser apelo, nem para evitar o estrangulamento passivo da boa morte em expiação, a procissão voluntária em direção ao sacrifício. Simplesmente não existe lei que remova isso deles, portanto, não há menino que não necessite de salvação.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

[neoperfeccionismo] Tem horas que a gente delira, pára e fica pensando que aquilo que estamos vivendo agora é somente um amistoso, que as coisas só vão começar mesmo pra valer um dia, quando formos magros, bonitos, saudáveis e ricos! Quando nenhum imprevisto acontecer no que estamos lidando, quando tudo for pretensiosamente oportuno, justo, vantajoso. Quando o funcionamento não tiver erros e sair exatamente conforme planejamos! Quando as coisas forem propicias a serem exatamente do jeito que desejamos, e na boa medida que esperamos que sejam. Isso deverá acontecer em breve, exatamente como imaginamos, quando tivermos sorte e quando a vida for extremamente generosa com a gente!
Dia desses, tava pensando no preço que cada coisa tem na vida que levamos. Não tô falando figurativamente não, falo do valor monetário que a nossa existência aqui obrigatoriamente precisa ter. Nossa risada de alegria num churrasco de família com filhos, netos e uma latinha de Skol, nossa pele saudável banhada em Natura, nossa transa monogâmica quase segura, noivado com champanhe, desculpas, divorcio, plano de saúde. Nosso conhaque, cigarro, Halls, mentiras de amor, a falsa sensação de segurança, uma boa noite ao porteiro atento na entrada no edifício, Danoninho na porta da Brastemp, a tintura do cabelo, uma rodela de abacaxi, morango com chantili, nossas olheiras, pastel no Villa Lobos, o boleto da tevê a cabo, banda larga de 1GB, cesta básica. O medo de perder o emprego, o nosso dízimo, o pacote de carefree, o dinheiro pro busão, nossas escolhas entre uma rasteirinha e um scarpin, camisa pólo ou minissaia, escola pública, escola particular, quinze reais de credito do pré-pago, a próxima troca de óleo. É o acesso a percepção duma realidade cidadã, a lógica da normalidade que acaba fazendo a diferença entre a invisibilidade do mendigo e o respeitável cristão contribuinte, entre ser bem servido num restaurante ou evitado como dejeto numa calçada do baixo Leblon. Mesmo no fim, quando deveríamos já ter aprendido que tudo é a mesma coisa quando se chega no fim, ainda há o caixão de mogno e o de cedrinho. De vez em quando aparece um “filosofo da vida simples” tentando reduzir o impacto feroz e impiedoso que a ausência de grana exerce sobre o nosso equilíbrio mental numa pressurizada célula urbana competitiva e tendenciosa como o Rio ou Sampa. Quase sempre é alguém que seja por conta própria ou sustentado comodamente por contribuições de outros, não tem preocupações com o pagamento do aluguel no final do mês. Assim fica fácil ser Dalai. Toda produção industrial que bem nos serve e que nos mantém belos, calmos, inteligentes, limpos, lúcidos ou que tenta manter sob controle nossa loucura diária, custa alguma coisa... seja no cartão, cheque ou em dinheiro... é claro.