quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Foi há uns anos atrás, quando ainda havia proximidade e muita vontade de que as coisas acontecessem no lirismo dos que não querem mais acordar duma animação suspensa lambuzada com sorrisos. Se não me engano, foi numa tarde dum domingo que parecia deliciosamente monótona. Ela me enviava fotos dum passeio em Embu das Artes, onde havia estado no dia anterior com o cunhado e a irmã, comprando artesanato. Em cima daquele embalo, a gente foi na “fanta” de como seria dormir e acordar na calma dum lugarzinho minúsculo, não muito longe de Sampa por causa do trabalho. Durante as buscas no Google, apareceu Pirapora do Bom Jesus e lá ficamos viajando no que faríamos se nos fosse possível uma vidinha besta como a que o Drummond falou uma vez, numa casinha baixa com uma fachada de cores fortes. Viver ali quase como refugiados entre o metropolitano totalmente conectado e um rural onde ainda dava-se “bom dia” aos passantes bem antes de conhecê-los. Hoje eu nem sei se teria sido bom mesmo ou se teria surgido o enfado, já que no MySpace dela surgiram outras variáveis, outras possibilidades, outros desejos, outras caras, outros papos, outras vontades, outras cidades e com isso um afastamento previsível do que imaginei que era nosso. Pirapora é hoje somente um ponto no Google Earth onde desejos que agora estão há anos-luz um do outro, brincaram numa tarde dominical de querer incandescer um céu estrelado.
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Imbarueri na língua do indio é o lugar onde o amor bebe água. Onde a felicidade amarra o sapato. Imbarueri é do lado do lugar comum. Imbarueri, a linha de trem, um circo marrom. Imbarueri, um simples pardal, revólver azul. Imbarueri, Paris é New York, Tietê, Tatuí. Imbarueri, um índio tupi, um lobo guará. Imbarueri, o galo cantou, o rato sorriu. Imbarueri, um táxi feliz, só eu e você. 'Cê num sabe o que acontece ali. 'Cê num sabe o que acontece ali. 'Cê num sabe o que acontece ali... [ Mauricio Pereira e André Abujamra ]

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Ciclo é ciclo e ponto quase final. Não é Galileu, Newton ou Einstein. É ciclo e só. Nem sei se é roda carmica, calendário maia, telesena, papillon, mahabharata, causa-efeito, mas é cíclico... corre, corre, vai, vai, e depois volta. Não adianta contar números; é perda de tempo! Se for olhar no espelho; perde tempo, se for virar a cabeça pra trás; perde tempo, perde justamente aquilo para o qual não existe refil, porque é circular, é ciclo, é o imprevisto aleatório, randomizado, a deusa quântica do caos, o que sempre está sempre conosco agora, mas não promete que sempre estará. É passar uma vida inteira bem no meio daquilo que nunca vamos saber.
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Não é de hoje que eu estou aqui tentando voltar pro lugar de onde nunca saí. Eu já fui pedra, eu já fui planta, eu já fui bicho, hoje eu sou uma pessoa envolvida pelas vidas que vivi. Eu faço parte do povo, que faz parte da terra que faz parte do reino, que não teve começo e que não vai ter fim. Isso faz parte de mim, que estou aqui, cercada de ouro por todos os lixos. No meio do mato, andando na rua. Em cima das nuvens ouvindo um disco. Do lado oculto de todas as luas. Eu faço parte do povo, que faz parte da terra que faz parte do reino que não teve começo e que não vai ter fim. Isso faz parte de mim que estou aqui! [ Rita Lee ]

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Toda essa carga autodestrutiva, essa autossabotagem, revelam coisas submersas logo abaixo da superfície da alma. No caso dela, uma visível baixa resistência à frustração fazia com que ela não conseguisse absorver, que por mais que se queira acertar, uma hora as coisas dão errado, se perdem da nossa vontade por vários motivos, não se concretizam na forma que a nossa expectativa ansiosa projeta. Mas ela não sacava isso, que é o erro quem melhor ensina. Então, ela segue agora em direção ao sétimo inferno, onde já vagam Dante e Virgílio. Quando cada coisa que espera-se que aconteça na perfeição deixa de acontecer, ela pira, se esconde e apanha a gilete! O pior é que ela também não sabe que quando a piração da baixa resistência às frustrações vira uma constante, o risco de entrar na Terra das Nove Luas (insanidade mental) e nunca mais conseguir sair de lá, também é uma forte possibilidade.
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Eu quis querer o que o vento não leva, pra que o vento só levasse o que eu não quero. Eu quis amar o que o tempo não muda, pra que quem eu amo não mudasse nunca. Eu quis prever o futuro, consertar o passado, calculando os riscos bem devagar, ponderado, perfeitamente equilibrado. Até que num dia qualquer, eu vi que alguma coisa mudara, trocaram os nomes das ruas e as pessoas tinham outras caras. No céu havia nove luas e nunca mais encontrei minha casa. [ Thedy Correia - Herbert Vianna ]

domingo, 6 de dezembro de 2009


Constatação! Acredito que poucas coisas na vida depois que nos tornamos adultos sejam tão devastadoras quanto são as constatações. Elas representam aquele momento em que se ouve o barulhinho seco da ficha caindo no oco. É quando nos vemos diante do que sempre foi óbvio, mas que por alguma razão permaneceu oculto na negação daquilo que os fatos mostravam nitidamente pra todo mundo, menos pra nós. Nesse caso, a constatação não chega de mansinho, como que nos poupando, anunciando antecipadamente que vai causar uma entrada avassaladora em algum ponto das nossa percepção. A constatação é o próprio impacto, o calafrio, a porrada que ao nos dobrar na velocidade do susto, também nos acorda. Ela nos faz sentir toda a aridez da realidade e vem justamente pra evitar que a gente continue comendo areia, vivendo de algo que só existe no nosso desejo, na nossa miragem. Ao nos dar um safanão, um sacode, um rabo-de-arraia que nos bota com a cara no chão, também nos aponta os meios para tentar ficar de pé, ela nos machuca em princípio, mas acaba nos salvando de danos maiores. Geralmente, logo após a constatação vem a raiva e ela também alimenta, cria oportunidades de recomeçar, de refazer e quase sempre, de sobreviver ao que ficou constatado.
"Anger is an energy" [Rise, Johnny Lydon]

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Tenho tentado colocar em prática de uns anos para cá, um programa preventivo de manutenção de amizades valiosas. Ele serve para tentar poupar um pouco os amigos do desgaste da obrigação de nos ouvir em momentos de angústia, durante longos períodos de insuportáveis reclamações. Já houve um tempo no passado em que bastava encontrar alguém para derramar sobre elas, temores, insatisfações, decepções, delírios e outros desassossegos duma alma-esponja que retém, retém o que há em volta. Por me considerar “bom ouvido”, acreditava que todo mundo também estava a qualquer hora, pronto e bem disposto para ouvir. Às vezes a gente esquece que cada um tem lá seus limites de resistência para ouvir continuamente certas coisas. Quando passa um pouco da hora, é provável que o ouvinte querido comece a ficar meio de saco, mas aguenta quieto em nome da velha amizade. A verdade é que ninguém é de ferro, como é verdade também que não faz mal nenhum quando uma pessoa que te adora toma a iniciativa em te oferecer voluntariamente um ombro amigo numa hora braba da vida. Talvez seja legal também saber cuidar desse amigo, tomando cuidado ao deitar no ombro dele, apenas a cabeça e não jogar o corpo todo.

sábado, 28 de novembro de 2009

Primeiro quero te dar um pouquinho de Cartola, mas antes, vou precisar proteger seu nome, por amor, em um codinome beija-flor!

[o mundo é um moinho] Ainda é cedo amor, mal começaste a conhecer a vida e já anuncias a hora da partida, sem saber mesmo o rumo que irás tomar. Preste atenção querida, embora saiba que estás resolvida, em cada esquina cai um pouco a tua vida, em pouco tempo não serás mais o que és. Ouça-me bem amor, preste atenção, o mundo é um moinho, vai triturar teus sonhos tão mesquinhos, vai reduzir as ilusões à pó. Preste atenção querida, de cada amor tu herdarás só o cinismo, quando notares estás a beira do abismo, abismo que cavaste com teus pés.

sábado, 21 de novembro de 2009

Um amigo apareceu aqui ontem lá pelas tantas da noite. Estava meio agitado, cheirava a cerveja e dizia estar cansado das argumentações sem fundamento, usadas apenas para tentar provar quem tem mais razão. Se sentia cansado do ciúme fantasioso, do teatro para tentar fazê-lo se sentir culpado. Bastava pensar um pouco mais em projetos pessoais, para a falta de sintonia até pra decidir coisas banais, gerar uma feroz discussão inútil pelos mesmos motivos banais. O que alivia um pouco a minha culpa de estimação, é isso, é perceber os amigos da mesma geração se debatendo diariamente no mesmo tipo inferno doméstico.
As pessoas não são iguais, graças a Deus, nem suas histórias, obviamente. O que parece não mudar nunca nessa cotidiana intimidade pequenoburguesa é a insistência em usar, seja por comodidade, falta de criatividade, por formação, tradição, medo da solidão ou medo de sei lá o quê, o mesmo modelo popularmente aceito de coabitação. Em muitos casos, usa-se até as mesmas palavras com a mesma entonação_ “filhão”, “maridão”, “benhê”! O problema é quando alguns começam a pensar sobre suas vidas e se descobrem não compatíveis! Não à pessoa com quem dividem a mesma cama, mas ao papel que cada um decidiu representar dentro daquilo. Conheço casais que depois de separados e morando em casas diferentes, voltaram a se encontrar outra vez, mas como namorados apenas e sem chance alguma de voltarem a viver novamente debaixo do mesmo teto.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

[fado vermelho] Certos meninos precisam urgentemente de salvação. Uma que os libertem de um encantamento muito antigo. Eles nunca sabem de nada, apenas que há uma dobra oculta numa fresta de blusa, a ponta de uma rocha de carbono e mais abaixo, uma meia elipse que desce até tocar o debrum nas portões dum local secreto de adoração. São cativos sem estarem à ferros, mas não menos ávidos por se tornarem escravos duma senhora em pêlos. É quando a braguilha ferve, umedecendo certas àreas internas deixando-as como quando em febre alta. Olhares perdidos dentro das órbitas, acreditando serem os novos filhos de Zeus, quando na verdade não passam de uma matilha de vira-latas alegres ladrando a cada noite de lua cheia.
Ao contrário deles, elas sabem de tudo, mas jamais confessam! Fingem ser normal o elástico marcando a pele eriçada. Sabem que alguns deles não tem controle algum diante do que existe debaixo das camadas de restrições protegidas por meias e anáguas. Sabem o quanto isso representa para eles, um matadouro, um fado avermelhado de onde não há nenhuma possibilidade de se escapar. Não há forças para recusar tanto apelo fingindo não ser apelo, nem para evitar o estrangulamento passivo da boa morte em expiação, a procissão voluntária em direção ao sacrifício. Simplesmente não existe lei que remova isso deles, portanto, não há menino que não necessite de salvação.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

[neoperfeccionismo] Tem horas que a gente delira, pára e fica pensando que aquilo que estamos vivendo agora é somente um amistoso, que as coisas só vão começar mesmo pra valer um dia, quando formos magros, bonitos, saudáveis e ricos! Quando nenhum imprevisto acontecer no que estamos lidando, quando tudo for pretensiosamente oportuno, justo, vantajoso. Quando o funcionamento não tiver erros e sair exatamente conforme planejamos! Quando as coisas forem propicias a serem exatamente do jeito que desejamos, e na boa medida que esperamos que sejam. Isso deverá acontecer em breve, exatamente como imaginamos, quando tivermos sorte e quando a vida for extremamente generosa com a gente!
Dia desses, tava pensando no preço que cada coisa tem na vida que levamos. Não tô falando figurativamente não, falo do valor monetário que a nossa existência aqui obrigatoriamente precisa ter. Nossa risada de alegria num churrasco de família com filhos, netos e uma latinha de Skol, nossa pele saudável banhada em Natura, nossa transa monogâmica quase segura, noivado com champanhe, desculpas, divorcio, plano de saúde. Nosso conhaque, cigarro, Halls, mentiras de amor, a falsa sensação de segurança, uma boa noite ao porteiro atento na entrada no edifício, Danoninho na porta da Brastemp, a tintura do cabelo, uma rodela de abacaxi, morango com chantili, nossas olheiras, pastel no Villa Lobos, o boleto da tevê a cabo, banda larga de 1GB, cesta básica. O medo de perder o emprego, o nosso dízimo, o pacote de carefree, o dinheiro pro busão, nossas escolhas entre uma rasteirinha e um scarpin, camisa pólo ou minissaia, escola pública, escola particular, quinze reais de credito do pré-pago, a próxima troca de óleo. É o acesso a percepção duma realidade cidadã, a lógica da normalidade que acaba fazendo a diferença entre a invisibilidade do mendigo e o respeitável cristão contribuinte, entre ser bem servido num restaurante ou evitado como dejeto numa calçada do baixo Leblon. Mesmo no fim, quando deveríamos já ter aprendido que tudo é a mesma coisa quando se chega no fim, ainda há o caixão de mogno e o de cedrinho. De vez em quando aparece um “filosofo da vida simples” tentando reduzir o impacto feroz e impiedoso que a ausência de grana exerce sobre o nosso equilíbrio mental numa pressurizada célula urbana competitiva e tendenciosa como o Rio ou Sampa. Quase sempre é alguém que seja por conta própria ou sustentado comodamente por contribuições de outros, não tem preocupações com o pagamento do aluguel no final do mês. Assim fica fácil ser Dalai. Toda produção industrial que bem nos serve e que nos mantém belos, calmos, inteligentes, limpos, lúcidos ou que tenta manter sob controle nossa loucura diária, custa alguma coisa... seja no cartão, cheque ou em dinheiro... é claro.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Antes de adormecer profundamente, percebi quando ele se ajoelhou e chegou o rosto bem perto do meu travesseiro. Assim que percebeu que eu não ia mais voltar a dormir, se afastou e acendeu a luz. Depois puxou uma cadeira, sentou ao lado da cama e começou a reclamar de algumas coisas que ele mesmo havia falado no conto Nº 16. Refeito do susto, levantei, vesti uma bermuda e me sentei na cama. Ele me olhava como se estivesse esperando uma justificativa. Calmamente, eu disse que não sou responsável pelo que meus personagens falam e nem me dou ao trabalho de julgá-los por aquilo que aprovam ou desaprovam. Sequer os conheço, não sei do passado deles, nem do presente. Sendo assim, tão pouco me interessa qual será o futuro deles! Tem sido assim já há alguns anos, sempre que interrompo uma história pelo meio, percebo que alguns deles ficam me espreitando, mas nenhum até hoje, apareceu para reclamar. Percebo que alguns, por alguma razão, me amam, como igualmente percebo os que me odeiam sem que eu saiba também o porquê, mas estou certo de que a maioria deles não sente nada por mim e confesso_não sinto por eles coisa alguma. O distanciamento é tanto que de alguns, nem sequer o nome eu sei. Falo que são “meus” apenas por uma questão de semântica, pois na verdade, não os possuo. Eles não existem porque eu existo, não são parte de mim, nem são o que parecem para me agradar. Não são meus filhos, nem meus amigos, nem tem comigo algum parentesco. Não são movidos pelo que sinto, penso ou acredito. Eu não os controlo, apenas os ouço e registro em texto tudo aquilo que eles mesmos querem que os outros saibam.

Barra Mansa, RJ
18 de agosto de 2009
23h45

_ Vem cá! Que houve? Cê ficou puto com o que agora?
_ Eu não tô puto, só cansado desse papo! Eu preciso ir pra casa agora.
_ Tá bom, eu paro! Fica aqui...
_ Sempre que eu penso que a gente tá bem, que tá dando certo, vem você inventando um problema.
_ Desculpa vai... já disse que parei.
_ É que eu acho besteira ficar nessa! Por que a gente não pode fazer como todo mundo, relaxar e deixar rolar? Namorar sem essa de ficar “por que isso”, “por que aquilo”. Por que tem que ficar procurando nome pra tudo, definição pra tudo, pô? A gente tá junto, ta legal, você parece que gosta, sinto sua falta, te ligo todo dia, e mesmo não concordando, topei sem reclamar a tua condição de morar em casa separada. Tá faltando o que agora?
_ É essa história de falar “eu te amo”.
_ Cacete! Já vai começar? Qualé? Que tá pegando?
_ O lance é comigo, nada com você. Fico achando que ficou meio comum demais sair falando “eu te amo” pra toda pessoa legal que a gente encontra na internet e pela net quase todo mundo é maravilhoso. Sem querer a gente vê um gatinho no Facebook duma amiga, acha ele interessante, adiciona e depois começa de papo pelo MSN e logo passa pro Skype, quando vê, já tá achando que ama o cara!
_ Já vem você outra vez!
_ Calma, me escuta! É importante! Essa facilidade que a net dá de sair falando “eu te amo” só porque um cara parece legal, porque é gostoso passar umas horas teclando com ele, tem me feito pensar numa porrada de coisas. Todo mundo anda assim agora, toda semana adiciona um alguém que na hora parece legal e depois bloqueia quando descobre que não era tão legal. Toda hora aparece um cara manero, você adiciona, fica ansiosa pra chegar a hora dele ficar on line e assim vai!
_ Devo pensar o que te ouvindo agora? Que tua escolha por mim tá ficando afetada por causa de uns caras na sua lista de contatos?
_ Não tá! Mas fico me perguntando, será que a gente não ta junto por falta de opção? Quem garante que você não vai encontrar hoje ainda no seu Orkut uma garota que você acha que tem mais a ver contigo do que eu? E se eu encontrar um outro cara no MSN e começar a achar que tô gostando menos de você?
01h20

_ Às vezes conversando com as meninas, a gente fica falando sobre os caras que teclamos pelo no MSN, elas sempre falam de alguém assim ou assado. Caras que elas conversam com certa regularidade na internet...
_E vc também faz isso...
_ Você quer que eu minta? Então fico vendo a Karina e o Dé, indo pro segundo ano de casamento, tão apaixonados, exalando cumplicidade como a gente vê quando saímos juntos com eles, lembra? A Karina tecla com um indiano que mora em Boston e fala dele com uma coisa que sei lá! Vejo a Teresa Poll, que se declara louca pelo Gustavo que é capaz de matar por causa dela. Ela também flerta no MSN quando tá no trabalho ou em casa, por celular. Dizem que fazem isso por diversão! Só a Lucila que eu acho que tá indo as vias de fato com um cara, mas ainda assim, fala que não vive sem o Murilo.
_ O lance pro cê também é diversão?
_ Claro que é, mas ultimamente tem me feito pensar se quando a gente diz “eu te amo” pra alguém, isso não acaba virando com o tempo, um tipo de saudação, um cumprimento, uma coisa dita só pra prender a pessoa que tá contigo enquanto se experimenta tantos outros. Se não gostar fica-se com o que já tá, mas se gostar do outro, simplesmente se troca! Falar
“eu te amo” antes de deitar pra um e na manhã seguinte, fala a mesma coisa pro outro na internet.
_ Cê anda falando muito “eu te amo” pra alguém na net?
_ É esquisito, mas não tive vontade ainda, acho que se falasse não seria no mesmo peso que tem quando eu falo pra você! Mas tenho ouvido muito e quando ouço penso no quanto isso parece bobo sendo dito assim por tão pouco, por alguém que nem teve como presenciar no dia-a-dia os meus piores defeitos! O engraçado é que também acho que viver fora do virtual, na real, com alguém todo dia, estar transando e gostando dessa intimidade, pensar nela varias vezes durante o dia, também não garante nada. Estar numa relação considerada por ambos como perfeitinha não impede ninguém de querer experimentar uma outra!
_ Não?


01h58

_ Pois é! De uns tempos pra cá tenho achado que não é tão simples assim! Acho que pra ser alguma coisa de verdade, é preciso que cada um perca alguma coisa que gosta muito. Acho que essa coisa que se precisa voluntariamente jogar fora é a facilidade que temos de ultrapassar a barreira da nossa própria fantasia, e fingir esquecer que estamos sob um compromisso de amor, e ficar ou transar escondido com um outro, por tesão ou a curiosidade, mesmo com uma certa culpa depois. Tenho achado que pra gente falar de boca cheia que ama alguém de verdade, é preciso jogar fora essa “liberdade”. Jogar fora sem deixar o companheiro saber que jogou. Fazer isso não por causa dele, mas por você próprio! Não to falando de dar a alguém prova de fidelidade, isso é babaquice, não acredito nisso, as pessoas simplesmente mentem quando querem muito uma coisa que não deveriam querer, subvertem esses acordos de boca, de cartório ou de igreja. Então se decidir jogar essas “oportunidades” fora, é legal que o outro nunca saiba, senão estraga tudo. Vejo isso, uma decisão absurda e solitária um desafio sem muito sentido contra si próprio, só para mostrar a você mesmo que é capaz de fazer algo que está além dum acordo comum de fidelidade.
_ Cê é foda criatura! Cruz credo, completamente pirada!
_ Não precisa me dar a sua opinião sobre isso. Não quero!
_ Não me contou tudo isso pra depois me perguntar com quem eu flerto no MSN ou no Skype? Pra me testar e jogar um verde pra me fazer confessar se transo escondido com outras só pra experimentar, pra variar, fugir da rotina ou só porque eu sou homem? Por farra?
_ Não.
_ E por que não?
_ Porque não quero que você se sinta forçado por esse papo a ter obrigação de me falar a verdade ou simplesmente mentir, só pra não me machucar.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009


Foi assim ontem naquele pedacinho da noite, um pouco antes da divertida inquietação coletiva dos meus vizinhos. A chuva já havia dado uma trégua, mas o calor não. Era noite bem preta e quase tudo tava fluindo até que bem. Eu já tinha enviado alguns emails em reposta e fui pro banho frio. O miojo já tava fumegando no prato sobre duas fatias de mussarela e num copo cheio de cubinhos de gelo, o restinho de H2Oh que sobrou da hora do almoço. A tevê no quarto, tava ligada na Record e de repente paw!!!! A treva! Jantei sob luz de celular (lanterna sem pilhas e nunca tenho velas em casa) Depois, sem skype e sem absolutamente nada pra fazer na escuridão, não tive outro jeito a não ser chegar a cama mais pertinho da janela totalmente aberta, tirar a roupa toda (calor demais), deitar com os pés apoiados na cabeceira e me plugar ao trequinho de escutar música.
As primeiras 20 foram estas:

Capitu – Ná Ozzetti
Choveu – Beto Guedes
Duvida Cruel – Chico Cesar
Fitter, Happier – Radiohead
Frozen – Madonna
Tropicália (2) – Caetano e Gil
Inverno – Adriana Calcanhoto
Guitarra - Madredeus
New Soul – Yael Naim
Acabou Chorare - Novos Baianos
O céu – Marisa Monte
Olho de Peixe – Lenine
Pêndulo – Egberto Gismonti
Suburbia - Pet Shop Boys
Pigs on The Wind – Pink Floyd
Reprocissão - Chico Cesar
Ultimo Por-do-Sol – Lenine
Vanish Point (trilha do filme) J.B. Pickers
Voo de Coração – Ritchie
Zazulejo – O Teatro Mágico

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Se ela tivesse continuado a acreditar sem se curvar ao medo do futuro, talvez não tivesse se importado tanto com a opinião dos que não fazem parte da história. Se não tivesse desistido tão rápido de segurar com as duas mãos o que havia, se tivesse tido a coragem de Joana D´arc, acho que aquilo bem que poderia teria sido nosso épico, a canção de derrubar os muros da cidadela, uma vitória sem glória do pacto tântrico secreto que fizemos, da história que escrevíamos todas as tardes e talvez, quando perto do fim das muitas promessas, quando as ilusões fossem reveladas insuportavelmente claras, quando a realidade dos fatos começasse a ferir e por fim, se tivesse escolhido cumprir a parte dela no trato, é quase certo que tivéssemos como prêmio, nos permitido morrer ao mesmo tempo, sem medo algum e sentindo o tipo de paz que só acontece quando se tem certeza de que tudo o que houve, de alguma forma, valeu a pena.

[Cruzada] Não sei andar sozinho por essas ruas, sei do perigo que nos rodeia pelos caminhos. Não há sinal de sol, mas tudo me acalma no seu olhar. Não quero ter mais sangue morto nas veias, quero o abrigo do teu abraço que me incendeia. Não há sinal de cais, mas tudo me acalma no seu olhar. Você parece comigo, nenhum senhor te companha, você também se dá um beijo dá abrigo. Flor nas janelas da casa, olho no seu inimigo, você também se dá um beijo dá abrigo! Se dá um riso dá um tiro. [Tavinho Moura - Márcio Borges]

domingo, 8 de novembro de 2009

Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais, Não quero, não posso e não devo mais acreditar. Simplesmente não acredito mais. Não quero, não posso e não devo mais acreditar.

... versos proscritos não passam de subversos... (Ave! Glauco Matoso).

UNDERCODE

Ao decodificar um velho manuscrito
O monge que duvida apenas cumpre um rito
Aos crédulos, diz: crede, pois eu creio!
Mas em silêncio fala consigo; é tudo mito.


SANTA TERESA

Meu êxtase é fogo sagrado
Me consome em dor e sabor
Me arde acre e adocicado

TOTEM E TABU

Se um Deus fez tudo que pode ser tocado
Então por que o pau não é sagrado?
Por que é profano falar siririca,
Pica, punheta, porra, boceta?
Por que os ícones da morte
São pendurados no pescoço
E os da vida... trancados na gaveta?
Percebi sim como achou engraçado quando eu falei que amo sua boceta! Você riu daquele jeito, tentando me mostrar o quanto é descolada, mas não adiantou, ficou ali mordendo um dos lábios, fingindo não estar envergonhada. Pois saiba menina que amo sua boceta não apenas com a parte áspera da minha libido. Saiba que isso também não é um galanteio a fim de ter acesso às tuas pernas abertas no meu já conhecido descarrego fálico matinal. É provável que eu consiga desejar todas as bocetas que couberem na minha fome, já que nossa intimidade me permite dizer que não há na sua boceta, nada que não seja igual a tantas outras bocetas desejáveis entre tantas mulheres no mundo. Sendo assim o que torna sua boceta tão especial é fato de ser a sua boceta e não uma outra ou qualquer uma. Se eu fosse crente o bastante para ser um cristão zeloso, quem sabe, um brâmane ciente duma injusta roda cármica e devido a esse elevado grau de desprendimento, pudesse depois da morte, escolher um corpo para tornar a viver, certamente, excluiria o de alguém adorado como um sábio santo, um mago. No plano dos desejos carnais, rejeitaria também voltar entre os homens mais belos, capazes de enlouquecer sereias. Recusaria retornar como herói, milionário ou imperador, mas aceitaria voltar para me tornar você. Não estar no seu corpo, mas renascer você, ver surgir entre as minhas pernas um lótus vivo e rosado. Sua boceta, minha ninféia.

Fico às vezes muito puto ao sentir que ainda há aqui dentro um leve resíduo da credulidade que somente agora considero apropriadamente uma doença. Por três décadas e meia, aproximadamente cuidei dela como um gentil, passivo e fiel jardineiro. Um Dom Quixote viajando num zepelim movido a todo tipo de engodo. Talvez tenha vivido isso, por possuir um solo fértil para o cultivo de fantasias, mesmo quando todo mundo sabe que delas só se colhem quimeras. Era como uma vocação e por perceber isso somente agora, é que me enfureço tanto quando começo a me lembrar do longo tempo que joguei fora tendo sido tão devoto. Já cheguei a pensar que a insônia que inunda a minha cama desde a infância, tenha propiciado certa facilidade para sonhar acordado e nesse sentido, fui perigosamente onírico pelo menos por três vezes nos últimos dez anos. A mais recente deixou esse grande corte que não fecha, sem falar na dor que está fora do alcance dos analgésicos, e que tem me forçado a encarar o solo como o lugar seguro que preciso me acostumar a viver daqui pra frente, até que pelo menos, tudo tenha cicatrizado. No momento, o que tem me servido de lastro, é o silêncio, mas há poucos meses atrás, o que me prendia ao chão era o sarcasmo, a acidez, a ironia, pesos que tive de trocar pelo ficar mudo, para não perder alguns dos queridos que tentavam evitar que me machucasse ainda mais me debatendo envolto no que para eles parecia autodestruição, mas que era apenas minha maneira de organizar, entender e aceitar tudo o que estava acontecendo e que daqui pra frente, vai me obrigar a rejeitar qualquer desejo insano de tentar viver novamente qualquer coisa que se pareça com aquilo.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009


“O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso”. A madrugada já estava começando a envelhecer e minha jovem sobrinha insone me falava pelo skype que entre tantas que adorou, sentia nesta algo meio mau-humorado. Achamos engraçado e depois comentei que assim na seca, até parecia mesmo, mas que lendo um pouco mais, sobretudo no contexto, talvez a reflexão fosse mais pelo lado do humor "ácido-cínico" que ele costumava salpicar por cima das coisas ditas sérias. Quintana, assim como Drummond, era agnóstico confesso e talvez por isso, inteligentemente cáustico ao sacanear alguns valores cristãos como o apiedar-se diante de pequenos infortúnios.
Quanto a ser ele solitário e viver distanciado do afeto dos amigos por conta de um constante estado ruim de humor, sinceramente não creio, em vista do testemunho que esses mesmos amigos deixaram registrado. É fato que Quintana, era sim solteiro sem filhos e que morou sozinho por anos a fio num quarto de um luxuoso hotel em Porto Alegre. O dono gostava tanto dele, que lhe cedeu o cômodo por tempo indeterminado, sem cobrar um tostão pela diária e com refeições incluídas. Diferente do que acontecia com o Drummond ou o Vinicius, que eram aposentados do serviço público e muito bem remunerados, Quintana contava com a vaquinha dos amigos para estar sempre com alguma graninha no bolso. Depois que o velho Hotel Majestic encerrou as atividades para virar a rosada Casa de Cultura Mario Quintana, outra moradia teve de ser providenciada. Foi então que Paulo Roberto Falcão, ex-jogador da seleção brasileira, ídolo do “Inter” de Porto Alegre, amigo, admirador, além de proprietário do Hotel Royal, cedeu a Quintana um novo quarto. Novamente o poeta que morava sozinho, mas não era solitário, vivia num hotel com direito a refeições e sem precisar pagar diária. Assim, ele que certamente tinha muitos problemas, também teve alguns deles resolvidos com uma ajudazinha de alguns amigos.
"Yes, I get by with a little help from my friends" [ Lennon & McCartney ]

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Eu já vinha pensando muito depois de um tempo de experiências e acho que foi nesse ponto que surgiu a necessidade de rever quase tudo que me servia de lastro. O que vinha dirigindo minha vida até então era um velho excesso de certezas. Havia nela muita opinião formada. Acho que um dos problemas do excesso de certezas é que você começa a acreditar na existência de numa visão central para enxergar tudo, algo absoluto que determina o que é ou não realidade, e pior ainda, costuma-se levar muito a sério as próprias opiniões. Paralelamente a isso, iludir-se achando que de alguma maneira, isso poderia servir pra todo mundo, como se algumas opiniões pudessem mesmo darem-se ao luxo de continuarem imutáveis a vida inteira. Atualmente me esforço bastante para ser bem mais cuidadoso em expressar minhas "convicções" e bem mais flexível em avaliar a dos outros, mesmo quando sinto que não tenho muito o que compartilhar delas. No meu caso confesso; é um exercício bem difícil, pois há tempos atrás, fiz do proselitismo uma bandeira e simplesmente metralhava sem dó tudo aquilo que precipitadamente considerava inadequado à minha visão de mundo. Pessoalmente, acho esse o segundo problema do “excesso de certezas”. Em algumas situações, agarrar-se inflexivelmente a uma certeza costuma ser o trampolim para a prática de todo tipo de “fundamentalismo” seja em questões de gênero, política, economia, estética, etnia, religião e outros. É bem possível que quase todo linchamento comece com um excesso de certezas. Num plano mais leve, corre-se risco, se não tomar cuidado, de virar um puta chato que não só acredita que precisa doutrinar aqueles que não pensam como você, como patrulhar as escolhas de vida dos outros. Quando saquei que estava bem próximo disso, decidi não convidar mais ninguém para sentar comigo debaixo duma árvore e esperar por Godot. Desde então tenho apenas tentando seguir bem mais leve o meu curso. Em vez duma queda-livre, flutuar nas ascendentes como faz qualquer mutante.

terça-feira, 3 de novembro de 2009


Olha-me, oh, yes! oh, yes! Brasileira mente linda, oh, yes! oh, yes! Linda mente brasileira. Mente brasileira, lindamente brasileira. Envolve-me, oh, yes! oh, yes! Brasileiramente linda, oh, yes! oh, yes! Lindamente brasileira. Eu não vou querer o amor somente... é tão banal. Busco a paixão fundamental, edípica e vulgar de inventar meu próprio ser. Oh! senhora dona cândida coberta de ouro e prata... descubra seu corpo-rosto, nós queremos ver-lhe a alma antes que algum rouxinol diga que é dia, é de manhã, o sol já vem: here comes the sun! Vem, estrela camponesa, Vênus, nuvem nua, lua nova, anjo fêmea. Beija-me, oh, yes! oh, yes! Como se eu fosse um homem livre, oh, yes! oh, yes! Como um gesto primitivo, oh, yes! oh, yes! Do amor humano, animal, substantivo... Do amor humano, moreno, brasileiro. No Brasil e no estrangeiro! O maior amor do ano no cinema americano. [ Belchior ]

sexta-feira, 30 de outubro de 2009


Autoconhecimento talvez seja uma palavra platônica (“conheça a ti mesmo”) tão clichê quanto aquelas contidas nas frases de impacto de livros de autoajuda. Entretanto, pode ser que ela também defina um dos elementos que eu considero de suma importância quando estamos prestes a tomar decisões de vida ou morte. Vejo muita gente em conflito suicida se perguntando em algum momento da própria vida_ não sei o que eu quero_ se caso ou se compro uma bicicleta. Considero bastante aceitável estar em duvida sobre o que fazer com a própria vida, afinal como diz o Abu_ A vida é nossa e cabe somente a nós estragá-la como quisermos. Considero importante levantar essa bola antes de tentar uma cortada, mas acho que mais importante que tomar uma decisão no impulso, no calor do entusiasmo da alegria, na pressão, seja esta, do grupo de amigos, família, religião, do fundo dos nossos desejos ou da secura de nossas carências, é saber porquê estamos optando por isso e não por aquilo. Usando ainda o vôlei como figura, pode ser que saber os motivos de ter entrado no jogo e continuar nele sejam mais importantes que saber se vai ganhar ou perder. Talvez a urgência não seja casar ou comprar uma bicicleta, mas saber qual das duas coisas atende realisticamente ao que você de fato necessita no momento, pois quem sabe pensando com calma consigo próprio, descubra que não precisa de nenhuma das duas ou num outro enfoque que precisa de ambas. Sem se conhecer muito bem, pode ser que opte pelo casamento ou pela bicicleta apenas porque todo mundo que você conhece está casando ou pedalando. Nesse caso, o problema na verdade não é o veículo nem o estado civil, mas o medo de sentir-se inferior quando comparada e estar agindo em conformidade com a maioria apenas para ser aceita. Por incrível que pareça, arrependimento e falta de autoconhecimento costumam trombar muito pela larga avenida das decisões.
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Há um livro muito "cabecinha" sobre o significado de “cuidar de si próprio” com base no individualismo do autoconhecimento.
A Hermenêutica do Sujeito - Michel Foucault
Só um aviso; Cuidado. Foucault não é autoajuda. Foucault é Foucault.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009


QUASE OLHAR DE DOCUMENTÁRIO
Quero avisar que é forte a minha tara pelo cinema digital, principalmente quando feito fora de Hollywood. O mais engraçado é que nem sempre pensei assim. Houve um período na minha juventude que eu compartilhava do mesmo preconceito que muito cinéfilo da minha geração tinha por tudo aquilo que não fosse captado em película. Havia um credo na época que via no videotape um subproduto que empobrecia qualquer imagem. Não eram perdoados nem mesmo os enlatados americanos do final dos anos 70 como “Tomorrow People” e “Land of the Lost” http://www.youtube.com/watch?v=GrRCzWp79BE rodados sem o mínimo pudor em VT. Ainda mais com efeitos especiais considerados toscos entre “entendidos”. A coisa era tão barra pesada que tudo que fosse colocado numa fita que não precisasse ser revelada, era visto como “resíduo visual” pelos sacerdotes das maravilhosas imagens sem mácula feitas por uma Panaflex 35mm. A bitola não importava, se não fosse 35, podia ser 16 e até mesmo em super 8, o que não podia era fita magnética, formato destinado a virar base para imagens de telejornal, shows musicais e telenovelas. A “teoria da libertação” do VT veio em 1981 com a MTV onde clipes com imagens gravadas com câmeras compactas, evoluídas do U-Matic para o Beta, mais sofisticadas e com uma edição repleta de efeitos dos primórdios da computação gráfica começaram ser aceitas por um novo público. O videoclipe inaugurou a era da supremacia das ilhas de edição, sem falar na imensa redução dos custos de produção quando comparado ao preço de uma única lata de rolo de filme.
Meu olhar se rendeu ao "novo jeito de filmar" pela primeira vez com “Blair Witch Project”, lá pelo finzinho dos anos 90. O filme rodado em digital da primeira geração, foi tratado na pós para parecer com imagens feitas no finado sistema VHS. Vale lembrar que ainda estávamos vivendo no paraíso das populares câmeras compactas caseiras de vídeo (VHS) e o público estava mais que familiarizado com aquela baixa qualidade de imagem. Pouca gente percebe, mas outra grande mudança que o digital incorporou está na linguagem, no posicionamento da câmera (mais leves, dispensam o uso de tripé), na iluminação e principalmente na estrutura dos roteiros que tendem a conter diálogos imitando o jeito coloquial que falamos no dia-a-dia.
Atualmente, a novíssima geração de câmeras digitais e softwares de edição estão gerando imagens de altíssima definição superiores até a qualidade de pontos por definição das antigas câmeras óticas. Tudo que sai de Hollywood hoje em dia mostra o que uma Panavison digital de milhares de dólares é capaz de fazer. Pra mim isso é uma pena, porque alta definição é exatamente o contrário de tudo o que eu busco num digital. Depois de “Bruxa de Blair”, o trabalho que, na minha opinião, mais faz justiça ao usar o formato com originalidade, reunindo o que ele tem de melhor, tratado com habilidade sobrenatural ao mesclar efeitos visuais de primeira linha, narrativa de documentário e um roteiro duka é o inacreditável “Cloverfield”, de 2008, cultuado com fervor entre os amantes do formato.

A seguir alguns petiscos em "digital sujo" para quem tiver a fim de experimentar e se lambusar;

Cloverfield
http://www.youtube.com/watch?v=IvNkGm8mxiM&feature=fvw

This is England
http://www.youtube.com/watch?v=H0jkv2bRFgQ

Mutum
http://www.youtube.com/watch?v=Ob2j29lZUog

Contra Todos
http://www.youtube.com/watch?v=s2-LDB9tu9o

Pieces of April
http://www.youtube.com/watch?v=pQ36CnCL3OE

Tem também "Feminices" http://www.adorocinema.com/filmes/feminices/ do meu amado Domingos de Oliveira, que não achei nada no YouTube, mas que vale a pena experimentar quem conseguir achar em outro lugar.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009


Uma amiga querida que atualmente está morando fora, comentou num email que meus posts sobre o amor estão ultimamente com uma intrigante “textura amarga e negativa” bem diferente do que havia em meu antigo blog. Ao responder, expliquei que não tenho postado mais sobre o amor e que quando pareço estar falando sobre ele, na verdade, falo apenas sobre relacionamentos. Amor e relação, quase sempre são objetos de grande confusão em razão da proximidade que uma coisa existe da outra. Tenho evitado ultimamente escrever sobre o amor por causa da complexidade contida no tema e também porque tenho medo de ficar afirmando que ele é isso ou aquilo me baseando apenas nas minhas experiências pessoais. Diferente do que escrevia no meu antigo blog, hoje tenho procurado ver o amor como um forte sentimento, tão básico quanto a dor, o nojo, alegria, prazer, ódio e tão conceitual quanto é a felicidade.
Vivemos sob regras num imenso grupo social e devido a representação de papéis que nos prende numa necessidade de manter uma aparência, não somos livres, mas nossos sentimentos são, e por serem, não costumam se sujeitar às definições que usamos na literatura para tentar descrevê-los, muito menos aos recursos legais que criamos para tentar obter controle sobre eles. Por isso mesmo, tenho me achado menos ingênuo ao optar por escrever sobre relacionamentos em vez de falar sobre amor romântico idealizado como uma divindade absoluta responsável por nos satisfazer naquilo que cada um define individualmente como felicidade.
Considero que às vezes faço sim uma abordagem um pouco mais ácida ao tentar ser no mínimo realista sobre os encontros afetivos entre duas pessoas. É dentro dos relacionamentos que se vive diariamente a parte real da coisa quando se decide fechar um pacto de convivência com alguém. Nesse caso, os relacionamentos agem como uma represa construída para tentar manter nossas paixões sob controle e como somos imprevisíveis, inquietos, mutantes, em algum momento dentro dessa barragem, as constantes tensões, pressões, conflitos e questionamentos pessoais, podem criar rachaduras e fazer ruir aquilo que ambos julgavam à prova de águas turbulentas. Às vezes, eu simplesmente decido escrever sobre isso; o transbordar.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009


Moro em mim num espaço onde só cabe o que concebo. Moro com meus distúrbios, meus solilóquios, meus horrores estimados, minha casta lascívia, minhas paixões petrificadas, meu medo de estimação e claro, meu pau em riste, que é meu unicórnio! Habito em mim há tempos, num cômodo minúsculo, sem janelas para ventilar meus desejos, iluminado apenas pelo azul-fluorescente, pirilampeado dos meus constantes enganos.

[Minha Casa] É mais fácil cultuar os mortos que os vivos. Mais fácil viver de sombras que de sóis. É mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro. Não quero ser triste como o poeta que envelhece lendo Maiakóvski na loja de conveniência. Não quero ser alegre como o cão que sai a passear com o seu dono alegre sob o sol de domingo. Nem quero ser estanque como quem constrói estradas e não anda. Quero no escuro como um cego tatear estrelas distraídas. Quero no escuro como um cego tatear estrelas distraídas. Amoras silvestres no passeio público. Amores secretos debaixo dos guarda-chuvas. Tempestades que não param. Pára-raios quem não tem, mesmo que não venha o trem, não posso parar. Vejo o mundo passar como passa uma escola de samba que atravessa! Pergunto onde estão teus tamborins? Sentado na porta de minha casa, a mesma e única casa. A casa onde eu sempre morei.
[ Zeca Baleiro ]

domingo, 18 de outubro de 2009


A mania de buscar num afeto (o objeto) uma forma de arrancar grandes pedaços na paz que reside em nós é muito antiga. Lá pelo século XII, um abade francês interessado em relações humanas registrou pela primeira vez, as regras dos jogos sociais com objetivo de aproximar casais e promover núpcias na Europa medieval. Naquela época, as bodas eram um ritual social tipicamente dos ricos ou nobres, embora nem todos os nobres fossem ricos. O cara era André Capelão e o livro, o famoso “O Tratado do Amor Cortês”. “Cortês” porque se tratava estritamente do “amor” na corte e foi justamente dentro das cortes européias que poetas e menestréis começaram a propagar o “amor erótico” como sendo um sentimento inquestionavelmente puro e superior a todos os demais. Usei de propósito o termo “amor erótico” apenas para citar que o “erótico” teve de ser substituído mais tarde por “romântico”, uma vez que “erótico” lembra sexual, e sexo como se sabe, era um pecado sério pela ótica da Igreja. Erotizar o amor era bater de frente com a idealização do amor-divino que passou a constar na parte religiosa dos rituais cristãos de núpcias. Era por isso que tais rituais só podiam ser realizados por um sacerdote e obrigatoriamente dentro dum templo. Passados séculos desde Capelão, continuamos não só presos ao conceito do amor (erótico) como o mais nobre dos sentimentos, mas também acreditando que se dedicar a ele incondicionalmente, é a coisa mais importante que alguém pode fazer na vida. A crença nisso é tão forte que até o Jobim teorizou; “é impossível ser feliz sozinho”.
E assim seguimos cultuando o amor erótico como superior a tudo o que existe na vida e adoramos pensar assim, pouco importando os desagradáveis efeitos colaterais que costumam vir junto com ele. Parece que herdamos essa adoração ao amor (erótico) da literatura dos colonizadores europeus que além da língua, assimilamos também a base dos hábitos contidos nos valores que formam a nossa vida privada. A superioridade do amor (erótico) estava presente tanto nas “Histórias de Cavalarias” na Idade Média, quanto nos romances e folhetins produzidos por autores ligados a um feroz, passional e afetado movimento do século XVIII, chamado Romantismo. Então, a partir do século passado o romantismo (leia-se; amor erótico) virou não só uma forte doutrina para os que buscavam fervorosamente celebrar rituais de núpcias, mas também um rentável produto nas mãos de empresários do entretenimento em Hollywood. O mesmo fenômeno de vendas pode ser visto atualmente nas telenovelas, na verdade, netas legítimas dos folhetins. Hoje em dia, somos mais filhos do amor erótico da “cultura pop” que do amor fraternal dos evangelhos, a ponto de passarmos o dia inteiro sem pensar em outra coisa que não seja querer ser amado, uma vez que o amor erótico exige que sejamos correspondidos. Nos tornamos tão obcecados na coisa de querer primeiro; ser amados (leia-se; desejados), que diariamente respiramos amor, comemos amor, bebemos amor e claro; sofremos até chorar sangue por amor. Se tudo isso ainda não for suficiente, morremos ou até mesmo matamos... mas sempre por amor.
"Fácil é ver que o amor é uma paixão. Isso porque angústia nenhuma é maior que a provocada por ele, pois o enamorado está sempre no temor de que sua paixão não atinja o resultado desejado e de que seus esforços sejam baldados. Teme também o falatório da multidão e tudo o que, de uma maneira ou de outra, possa prejudicar seu amor, pois é bem freqüente que uma perturbação mínima impeça de levar a bom termo o que se ia consumar. Se o enamorado é pobre, teme que a amada vilipendie sua penúria; se é feio, teme que ela despreze seu físico ingrato ou que procure o amor de alguém mais belo; se é rico, teme que sua passada parcimônia acabe por reverter em prejuízo; e, para dizer a verdade, não há ninguém que possa contar em minúcias os temores do enamorado. Essa espécie de amor é, pois, uma paixão não-recíproca que se pode chamar de "amor singular". Mas, uma vez correspondido o amor, as angústias que surgem não são menores; porque cada um dos dois amantes teme perder, pela ação de um terceiro, aquilo que conquistou com tanto esforço".

"Tratado do Amor Cortês", escrito na Europa no século XII por André Capelão,

sexta-feira, 9 de outubro de 2009




PEQUENO ENSAIO SOBRE O TEMPO,
O TÉDIO E O ÓCIO

Para todas as criaturas que vivem e morrem debaixo do sol, todos os dias são domingo e todas as horas são; agora, menos para nós, que somos homo e sapiens. A natureza tem lá os seus ciclos, mas hoje os achamos uma chatice, a prova disso é que depois de passarmos algumas eras sob o ritmo moroso da natureza, ficamos de saco tão cheio que demos até um nome para tudo isso; tédio.
Parece que foi depois de começarmos a olhar para o céu e a ter consciência da passagem do tempo, que começou nossa piração de querer contá-lo do nosso próprio jeito. Para garantir que dias e noites “parassem” de passar com a vagarosidade costumeira deles, dividimos os dois únicos períodos que conhecíamos até então, o claro e o escuro, em pequenos fragmentos numerados. Pode ser que seja baseado nesses números que cada povo inventou uma definição do que é ganhar ou perder tempo! Talvez a idéia no começo fosse ficar livre do ócio, que é ter pouco ou nada para fazer, e do tédio, que é estar completamente convencido que o tempo não passa.
Para complicar, começamos catalogar e dar nomes para a percepção dos efeitos que a passagem desses ciclos costumam causar em nosso corpo e na imagem que isso parece aos outros. Para tentar escapar daquilo que chamamos pasmaceira, inventamos uma rotina de quefazeres que repetimos metódica e diariamente como indispensáveis a vida. Mas e os quepensares? Quepensares não, pois além de só servirem para mandar Nietzsche pro hospício, não são muito eficazes contra a falta de quefazeres.
Contar o tempo serve também para nos manter presos tanto às lembranças do que passou, quanto à expectativa do porvir. Essa obsessão em estar atracado ao o passado e querer inutilmente saber como será o futuro, não nos deixa perceber que viver mesmo só é possível no agora, e um segundo de cada vez, equilibrando-nos sobre um fio de incontroláveis incertezas. É uma dança solitária e cega na ponta de sapatilha sobre a lâmina afiada do acaso.
Já os bichos, que segundo a nossa visão antropocêntrica, não são nem homo e nem sapiens, lidam com o tempo sem dar a mínima para agendas, compromissos, minutos, cronogramas, atrasos. Viver essa vidinha simplista é muito pouco para nós! Precisamos de complicação! Talvez tenha sido por isso que não aguentamos ficar muito tempo na boa como bonobos, trepando o dia todo, espreguiçando, catando piolhos e carrapatos nos pelos uns dos outros. Isso era ócio demais para aquilo que no futuro a gente iria fazer
Então é isso, entre um verão e um inverno há semeadura, há colheita, guerras étnicas, menstruação, fases da lua, casamentos, imolação de virgens para garantir fartura. Somos a formiga e a cigarra que Deus ajuda sempre que uma delas decide madrugar, mas também somos mão-de-obra barata, somos holerite, mais-valia, Karl Marx, Wall Street, escravidão, Henry Ford, Visa, vinte e oito dias, Nasdaq, o aluguel do apartamento atrasado e por último, somos pura culpa quando nos sentirmos ocasionalmente entediado ou pior; ociosos. Os almanaques, afirmam que a preguiça é um dos Sete Pecados Capitais, e que é Deus quem leva o credito pela invenção do trabalho, ao passo que para fins de causa e efeito, fica em qualquer cabeça vazia, o endereço da oficina do Diabo! O resto veio no vácuo e nem mesmo depois que aquele italiano teorizou sobre um tal; “ócio criativo”, a gente sossega! Por falar nisso, esse mês tem feriadão, que é quando todo mundo combina de desfrutar o ócio sem culpa, mas aviso; uma vez no ócio, sobra o tédio e como para ele não há remédio, resta-nos secretamente torcer para que o feriado passe logo para voltarmos à velocidade das coisas que já estamos viciados.


“Ticking away the moments that make up a dull day”

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

743
Tentei abrir os olhos, mas a dor intensa não deixava. Ainda assim consegui sentir a claridade e um forte calor que fazia o suor escorrer pela minha testa. Também não consegui identificar o local, mas o barulho de instrumentos metálicos e o corre-corre de pessoas vestidas de branco estavam me fazendo acreditar que era o setor de emergência de algum grande hospital público metropolitano. O mais estranho, no entanto, era não conseguir sentir o resto do corpo. Querer esfregar os olhos e não sentir as mãos para fazer isso. De imediato, pensei numa grave lesão na coluna depois de um acidente talvez ou um tiro. Tento chamar um dos médicos que estava próximo e não consigo mover os lábios. A dor no rosto ainda persiste e aos poucos começo a lembrar de algumas coisas. Lembrei por exemplo que era um domingo logo após o almoço quando sai de casa para comprar cigarros. Eu descia a Consolação quando um cara comum, nem novo nem velho, vestindo roupas comuns, vinha em minha direção e fumava com tanto gosto que não pude resistir a pedir-lhe um cigarro. Não sei dizer se o conhecia, provavelmente não. Lembrei que depois de me dar o cigarro, pediu para que saísse rápido de perto dele. Parecia apressado e assustado olhando em volta. Perguntei se havia algum problema, mas não consigo me lembrar da resposta. Lembro de ter me encostado num poste e fechado os olhos para dar um trago profundo, quando o tapa no meu rosto fez o cigarro cair longe. Não lembro bem da cara deles. Lembro que vestiam paletós de tergal. Um deles usava óculos em estilo rayban com as lentes esverdeadas. Havia um outro, um sarará, com o pixaim repartido de lado e bastante lambuzado de Brill Cream. Apontaram-me armas e gritaram para eu colocar as mãos na cabeça. Lembro das algemas machucando meu pulso enquanto me empurravam para dentro da Rural Willys verde sem placas. Também me lembrei do capuz fedorento pinicando meu rosto e me fazendo espirrar. Lembrei de estar nu de cabeça para baixo, dos vômitos com gosto de sangue e depois de cada choque na virilha, vinham perguntas que eu não sabia as respostas. Coisas sobre CPC, Marighella, MOLIPO, a localização do "aparelho". Do que aconteceu depois me lembro de quase nada, apenas do escuro, do calor e de estar tudo quieto.
A diminuição da dor nos olhos tornou possível entre outras coisas, abri-los um pouco mais para perceber melhor o lugar e a movimentação intensa dos homens de branco. Um deles se aproxima e vira minha cabeça um pouco para o lado. Pude sentir um aroma agradável de algo sendo refogado em azeite e alho. Isso me fez perceber melhor não apenas que tipo de lugar era aquele, bem como o que realmente estava acontecendo. Também não demorou muito para o homem de branco se aproximar novamente da minha cabeça, desta vez com uma lâmina de inox numa das mãos. Estranhamente comecei me lembrar de tudo. Fui tomado por uma lucidez mórbida diante do pouco tempo que sabia que já não tinha. Tempo insuficiente para fazer mais perguntas, demonstrar medo ou horror, mas o bastante para saber que tão logo o cutelo do sous chef divida meus pensamentos em pequenos gomos bem temperados, o que restar do que eu fui, finalmente voltará ao escuro profundo e silencioso, onde eu residia em paz antes de ter sido dado à luz.

Ao Raul (in memoriam)

A CONFRARIA DOS FAUNOS (2005)

quarta-feira, 30 de setembro de 2009




RETÓRICA ROMÂNTICA S.A.

Já fui um lobisomem juvenil. Significa que uma parte do que fui da juventude a até pouco tempo atrás, foi construída numa época em que estar ligado as causas (ideias) era considerado muito mais importante que estar ligado as coisas (gadgets). Isso porque um pouco antes da queda do muro, as pessoas dentro do meu circulo social viviam num Brasil romântico onde a ditadura militar já dava os seus últimos suspiros e por isso mesmo, achávamos que tínhamos vencido. Nessa época as ideias ainda chegavam a gente através dos livros de intelectuais europeus (em sua maioria), filósofos contemporâneos como Sartre e Focault, pelo contato com amigos engajados na UNE, estudando em universidades públicas e claro, pelas canções de protesto do Chico ou pela verborragia de Caetano, Gil e companhia. Tudo o que a censura não conseguia pegar, a gente “traduzia” e usava como um evangelho. Era tudo muito classe-média, muito suburbano, ingênuo e lírico como eram os Marighela e os Baader-Meinhof da vida. Anos mais tarde, depois que tudo aquilo acabou, eu tava vendo um programa do Abu e de repente ele soltou_ “Romântico tem mais é que se fuder”. Imaginem o Abujamra com aquele olhar feroz de Tiranossauro Rex vociferando isso para câmera?
Quando comentei a frase recentemente numa roda de amigos, acrescentando que ele tinha razão, quase fui linchado, não por ter pronunciado alguma heresia, mas porque esqueci que para alguns na mesa, romântico significava apenas ser alguém de “coração adocicado” vivendo uma aquecida paixão sazonal. Eu, no entanto, estava falando da outra definição do termo, falava do perfil ingênuo e em muitos casos, quase cego, de crédulos que morreram e ainda morrem em vão tentando dobrar no discurso, na bomba ou no fuzil, um sistema de coisas que não tá nem ai para a ideologia que alguém professa crer. Falava dos paladinos de hoje em dia, que seguindo o modelo de antigos mártires revolucionários, ainda gastam (de graça) suas vidas, sem buscar obter lucro, dedicando-se a lutar ideologicamente pelos párias de todos os guetos. Ainda hoje podemos ver alguns, distribuídos em “nanopartidos” fragmentados do “partidão”, que com as bocas cheias dum discurso marxista mofado, ainda tentam fazer prosélitos. Acreditam piamente sob o manto anacrônico de uma inocência pueril, que verdades, bondades, justiças e corações cheios de boas intenções são o que de fato fazem mudar o rumo social das coisas num mundo que nunca esteve tão corporativo. Não enxergam que são interesses, vantagens pessoais políticas ou econômicas, que giram as engrenagens de grandes mudanças sociais. Ah! O G-20 tem agora a voz da vez. Tem mesmo? Ah! O proletariado subiu ao poder na America Latina. Subiu mesmo? Basta uma lida superficial em “Animal Farm” do Orwell pra entender que certos fatores combinados, costumam empurrar qualquer revolução “bem intencionada” para aos pouquinhos, ir se prostituindo diante dos interesses de uma pequena confraria, bastando para isso, o uso hábil de algum carisma e meia dúzia de falácias populistas.
O fato é que cada desencanto trás no seu gosto a sensação de que “romântico tem mesmo é que se fuder”. Grito isso para mim toda vez que ainda uivo lembrando o quanto militei romanticamente em tudo que foi causa de esperar Godot. O mundo mudou e sempre vai mudar para que continue sob a guarda das mesmas castas. Parece que não importando a época, os ajuntamentos humanos nascidos das desigualdades sempre terão a forma de uma pirâmide que toca os céus. No topo; os mesmos, tomando “uma fresca” e bem mais abaixo, tomando na bunda, os românticos.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009


Assim como um "porquinho-da-índia" foi o primeiro amor do menino Manuel Bandeira, Sampa foi o meu! Acho que tudo aconteceu quando ainda garoto, descobri e fiquei encantado pela programação da antiga RTC de São Paulo, hoje, TV Cultura. Era uma delícia alguns programas de auditório destinados ao público juvenil, como o “Quem Sabe, Sabe”, reeditado recentemente e que na época, era comandado pelo radialista Randal Juliano que intermediava gincanas entre acadêmicos de universidades paulistanas. Eu simplesmente adorava tudo aquilo. Contudo, a minha relação: som-Sampa, ficou mais sólida bem mais tarde, quando estreou já nos anos 80 o “Fábrica do Som” http://www.youtube.com/watch?v=oPAkELRTwb4&feature=related apresentado por uma “figuraça” chamada Tadeu Jungle. O programa em si, no seu formato, não tinha nada que o Chacrinha já não tivesse feito décadas antes e o Edgar Piccolo, agora. A ideia era um “galpão de portão escancarado”, gravado dentro do SESC Pompéia, e lá entrava tudo o que era pop nos anos 80. Descontando-se aqueles que depois viraram “sabão em pó” como Titãs (ex-Titãs do Iê- Iê- Iê), Paralamas, Ira, Legião, Kid Abelha e tal, foi exatamente lá que fiquei conhecendo alguns malditos do underground paulistano, alguns nascidos e criados nos corredores da “fefeleche”. Itamar Assumpção, Julio Barroso com Gang 90 & Absurdetes, Vânia Bastos, Tetê Espíndola, Arrigo Barnabé, Grupo Rumo, Premeditando o Breque, Zé Miguel Wisnik, Aguilar e Banda Performática. No meio de todo esse povo, há uma finada banda que embora tenha tido uma vida bem curta, se não me engano, gravaram um único LP apenas, faço questão de guardar ainda hoje como uma preciosa peça do meu relicário; a banda Sossega Leão http://www.youtube.com/watch?v=1zIISfZ4s7Y. Nela, “puta músicos” como o Skowa e os Stroeter (Guga e Rodolfo) puxavam arranjos quase sobrenaturais para vestir as letras de puro humor-cáustico dos irmãos Garfunkel, "swingadas" em salsas, marengues, calípsos e rumbas que iam fácil, fácil... aos píncaros da originalidade! Mais caribeño só mesmo ir dançar no Buena Vista Social Club!

domingo, 13 de setembro de 2009


"Dentro da minha cabeça mora uma penca de gente. Que fala pela minha boca, subloca o meu pensamento. Faz o que bem entende. Penca de gente louca! Fico sentado na velha poltrona num canto da sala da casa da minha cabeça. Desembesta eu sou todo ouvidos! Empresto a minha fala pra ver o que esta gente pensa. Ninguém é um! Ninguém é um só! Dentro do meu pensamento, elenco: platéia seleta. Me acompanha e me completa, omelete de mil sabores! Atores de comédia como os três patetas! Ninguém é um. Ninguém é um só!"

Paulo e Jean Garfunkel

quinta-feira, 3 de setembro de 2009


Dizem que cada cultura pinta o inferno com as cores que têm. Acredito que na nossa, o inferno seja uma coisa individual, mas pode ser que tenha um começo igual pra todo mundo quando enfiam bem cedinho na nossa cabeça que é preciso fazer de tudo para conseguir a aprovação de alguém, cuja opinião a nosso respeito parece importar tanto pra gente. Isso é um inferno porque pode chegar ao ponto de nos fazer ficar aflitos. Isso vai desde o Papai Noel que é aquele que só te dá presente se você for bonzinho, até o Papai do Céu, que tua mãe diz que sofre e fica triste quando você não se comporta direitinho. E assim caminha a humanidade, com essa obrigação nas costas! A pesada obrigação de querer sempre “ser” ou “parecer” alguma que todo mundo diz ser de extremo valor na tua vida. É um inferno porque você precisa mostrar pra eles o quanto é bonito, educado, pós-doutorado, o quanto tem grana, que é neto de brancos, sexy, inteligente, saudável, bacana! É um inferno porque é nesse caldeirão de enxofre que o chicote da comparação te açoita até a vida virar um desespero interno tão medonho que para alguns a melhor saída seria mesmo ter os pulsos cortados. Tudo bem que as comparações fazem parte duma forte regra biológica na vida de seres gregários como nós, mas tem dias, tem uma hora, que a gente não aguenta! Chega um momento que a gente quer mais é cuspir o diet na pia, parar de fazer spining, queimar a receita do rivo, jogar a chapinha no lixo, rasgar os ingressos pra ópera, esquecer todas as senhas, confessar as taras no youtube, chegar entre os últimos, soltar a barriga, peidar na piscina, adorar ser o mais feio, achar o Caetano um chato, permitir-se ser imprudente, comer ovo cor-de-rosa num boteco da Lapa, lamber a sobra na beirada do prato! Tem horas que dá vontade abrir a janela e gritar bem alto pro azul... um imenso _ Foda-se! Pra tudo aquilo que você, apesar do esforço intenso, não conseguiu ainda e no fundo nem sabe se tá mesmo a fim de conseguir.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009


A coragem não faz de alguém forte, melhor, nem lhe dá vantagem alguma numa batalha. Alguém pode nascer forte, mas ninguém nasce com coragem. Ganha-se coragem depois que descobre-se sozinho diante das decisões mais importantes. Antes disso, todo o impulso que se tem ou é ausência de malicia ou inconseqüência pura. Ao contrário do medo que te estagna, a coragem te faz agir, mesmo sabendo que as chances de ir além da distância do seu golpe são mínimas. Ainda que teu braço não seja tão forte, a coragem te faz buscar no chão a pedra ou a vara de ponta firme. É a coragem o que te capacita lutar até à ultima gota das tuas forças! Ter coragem também não garante vitória. Vencer nunca será uma promessa, apenas uma possibilidade. A coragem quase sempre põe nos seus olhos aquele brilho azulado, uma chama constante tão intensa e viva, que mesmo debaixo da aparência mais frágil e cândida, alguém pensaria duas ou mais vezes antes de te atacar pela frente.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009


Hoje já quase amanhecendo, ao voltar pra casa de carona com uma amiga, alguém igualmente insone me liga e escuta, sabe-se lá como (ê ouvido absoluto), um zumbidinho bem longe vindo dos fones do meu player. Então pra cumprir o prometido, aqui está a lista dos vinte e um que naquela hora, entravam pelos meus ouvidos, direto pra dentro da minha cabeça.


A Idade do Céu _ Zélia Duncan
À Via Láctea _ Lô Borges
Anima – Milton Nascimento
Bad to the bone_ George Thorogood
Black Market _ Weather Report
Bring On The Lucie _ John Lennon
Céu de Brasília – Toninho Horta
Cordas de Aço – Cartola (ao vivo)
Deus – Sugar Cubes
Fora da Ordem – Caetano Veloso
Friday I´m In Love _ The Cure
Heroes _ David Bowie
Jokerman – Caetano Veloso
Jokerman – Bob Dylan
Maria Fumaça_ Banda Black Rio
Me Diga _ Nando Reis
Mestre Jonas – Sá, Rodrix e Guarabyra
Old World _ Dixie and Dregs
Planet – Sugar Cubes
Sweet Jane _ Velvet Underground
Wunderkind _ Alanis Morissette

sexta-feira, 21 de agosto de 2009



Juiz de Fora
Sábado
06 de janeiro de 2007
18h45


_Que cara é essa?
_ Pensando...
_ Sobre...
_ Sobre como as coisas estão ficando diferentes...
_ É eu sei...

_ [ ... ]

_ Também não sei o que dizer. Às vezes penso que a culpa é minha, outras, que é sua.
_ Por que não, minha e sua?
_ Isso é o que todo mundo diz sempre, mas a gente sabe que tem alguém que dispara primeiro a pedrada do fim.
_ A gente ta no fim?

_ [ ... ]

_ Tamos?
_ Eu não sei... mas cê ta vendo como tá...
_ Eu tô com medo.
_ Medo de ser mesmo o fim?
_ Medo de descobrir que isso é tudo que eu tenho. Medo que você seja tudo o que eu tenho.
_ Me desculpa... eu não sei o que fazer, o que te falar...
_ Você quer ir?
_ Uma hora alguém tem que ir...
_ Você já tem pra onde ir? Ele é alguém que eu conheço?
_ Não há ninguém, juro.
_ Você tá dizendo isso pra não me machucar...
_ Não to não. Não há mesmo ninguém. Se tivesse eu contaria, cê sabe como eu sou.
_ É... eu sei...
_ Você é meu amor...
_ Sou?
_ É sim... acho que eu preciso quebrar um pouco a cara, me fuder um pouco. Você é maravilhoso, sempre compreensivo, maduro, ponderado, um companheiro... nossa vida é legal, eu curto a gente aqui... penso nisso e fico triste por estar agindo assim. Acho que eu quero uma coisa que eu não sei ainda. Às vezes penso que é alguém, uma pessoa nova, uma nova vida longe daqui. Fingir que eu sou outra, sei lá! Cê me perdoa?
_ Pelo o quê?
_ Por isso que eu não entendo.
_ Não esquenta. Eu sempre soube que às vezes todo amor do mundo não basta, mesmo um imenso como esse nosso, ainda assim, às vezes parece que não é o bastante.

_ [ ... ]

_ Querida, vou dar uma saída. Devo voltar só amanhã a noite. Se quiser levar pra você alguma coisa que era nossa, tudo bem. Leva a chave também se achar que deve.

_ [ ... ]

_ Olha só... depois que sair não deixa bilhete, e-mail, essas coisas assim... se puder não deixe nada seu, por favor. Nem roupas, objetos nem nada. Isso vai me ajudar. Promete?

_ [ ... ] Prometo

_ Então tá... te cuida.
_ Você também.

sábado, 25 de julho de 2009


[ RITUAL ] Pra que sonhar? A vida é tão desconhecida e mágica que dorme às vezes do teu lado calada. Pra que buscar o paraíso, se até o poeta fecha o livro, sente o perfume de uma flor no lixo e fuxica. Tantas histórias de um grande amor perdido, terras perdidas, precipícios. Faz sacrifícios, imola mil virgens, uma por uma, milhares de dias, ao mesmo Deus que ensina a prazo, ao mais esperto e ao mais otário, que o amor na prática é sempre ao contrário! É... o amor na prática é sempre ao contrário! Ah, pra que chorar? A vida é bela e cruel, despida. Tão desprevenida e exata, que um dia acaba.
[ Cazuza ]