quinta-feira, 22 de abril de 2010

Algumas coisas sabemos logo de cara, já outras demoram um pouco mais. Foi assim que ele, no ano que complentou sessenta anos, tentava explicar à jovem com quem tinha um namoro recente, o motivo daquela viagem e porque era importante que ele a fizesse sozinho. Ela entretanto, além de não concordar, achava inútil ir até a Europa para perder tanto tempo numa peregrinação em busca de sabe-se lá o que. O que ele não havia dito a ela era que naquele momento passava por uma amarga crise financeira nos negócios e estava convencido de que fazer o Caminho de Santiago, sob duras privações, o ajudaria despir-se da crença no dinheiro como única fonte de segurança.
E ele foi sozinho, passando com certo êxito em cada etapa. Conheceu pessoas que jamais pensou que um dia dividiria com ele um prato de sopa de lentilhas, ouviu histórias inacreditáveis, chorou sozinho numa noite, bebeu do que não tinha no rótulo o nome Evian, teve bolhas nos pés, sentiu-se sujo, esfolou os dedos de tanto segurar seu cajado, pela primeira vez na vida dormiu ao relento, mas também achava que sentia uma ligação com algo que de fato o supria. Depois de muitas semanas conectado ao que já considerava divino e finalmente bem próximo de encerrar o percurso, resolveu conectar-se novamente ao não divino, plugando o iphone para recarregar na tomada duma casa modesta onde pernoitou.
E foi na manhã seguinte, na estrada, quando os Pirineus não eram mais barreira para conexões tecnológicas, que o aparelho no bolso da bermuda vibrou. Era o sócio com uma lista interminável das piores noticias sobre o que ele ainda não sabia. O que ele também não sabia era que aquela forte dor no peito e no braço, não era cansaço, que não adiantaria passar a bandana molhada na testa, nem tomar um gole do cantil. Ali, debaixo da sombra duma grande árvore, ainda não passava pela cabeça dele, que em alguns segundos, aquela bela paisagem rural na França seria a ultima coisa que veria.