segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Foto: Corbis
Savana africana, meio-dia, sol forte. Agachado atrás de uma moita ressequida, um velho leão solitário, já grisalho, faminto, mas incrivelmente paciente. Próximo dali, agachado atrás de outra moita, um jovem gato do mato, cheio de tiques, transpirando ansiedade. Vez por outra erguia nervosamente a cabeça para espiar e contar em voz alta o rebanho de antílopes ariscos, que desconfiando de tudo, bebiam inquietos às margens do lago. Quando o pequeno felino, contou a vigésima, o velho leão já meio puto, mas muito polido, resolveu intervir.

Leão – Amigo! Não me leve a mal, mas assim, vai acabar espantando a comida...
Gato – Vô nada! Ela tá muito longe e estamos contra o vento...
Leão - Cê tá aí faz muito tempo?
Gato – Tô nada! Cheguei agora... cumé que tá hoje?
Leão – Semana passada tava melhor... zebras saborosas, impalas enormes, javalis suculentos. Hoje é isso aí que cê tá vendo... meio devagar.
Gato – Tá mesmo meio fraco, né? E aí, já traçou alguma?
Leão – Quer saber? Não vale à pena nem sair da moita e se cansar à toa. Olha lá aquela corsa, já viu coisica mais raquítica? Tenho que confessar, realmente tá um horror!
Gato – É... tô vendo! Mesmo assim vou ficar por aqui e encarar...
Leão – Se fosse você nem perdia tempo, tô pensando até em ir lá pro outro lado, ouvi dizer que tá bom à beça...
Gato – Tá nada! De onde acha que eu vim? É o seguinte, por que a gente não junta nossos talentos? Você com seu tamanho, velocidade, força e eu com minha inteligência... a gente atacaria rápido, de surpresa, depois dividiria cada pedaço e blá, blá, blá, blá...
Leão (de saco cheio) – Tá bom, tá bom... cê tem razão! Eu topo fazer uma parceria contigo.
O Gato não parava de falar alto demais, gesticulava e se mexia tanto atrás da moita, que os animais começaram a fugir espantados. O leão, mais puto ainda, resolveu dar um basta naquela situação. Assumiu posição de ataque e começou a gritar.
Leão – Olha lá! Olha lá! Tá vendo? Nossaaaa! Que beleza!!
Gato – O que? Onde? Onde?
Leão – Não tá vendo não? Aquela grandona alí perto da pedra...
Gato – Onde?
Leão – Tá cego cara! Ali ó!
O gato chegou a um grau de ansiedade tão intenso que mais parecia uma pipoca, dando saltinhos para o ar na tentativa de conseguir um ângulo melhor daquilo que acreditava ser o banquete dos deuses.

Leão – Nosssaaa!! Que pernão! Que coxão! Putz! Que lombo!

Desesperado, quase à beira de um colapso por não estar conseguindo enxergar a melhor promessa de refeição da vida dele, o gato do mato num ataque de insanidade, se esqueceu quem era e correu para onde estava o leão, na tentativa de ter a mesma visão do paraíso que o colega de moita, ficando quase de rostinho colado ao do enorme primo.
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Savana africana, um pouco mais de meio-dia, sol forte. Enquanto degustava o ex-sócio falastrão, o leão na meia-idade aproveitava a sombra de um gigantesco baobá para filosofar.

Leão – A natureza é mesmo um espanto! Como pode um chato vivo ser tamanho porre, mas como petisco, uma iguaria tão nobre?

5 comentários:

Caderninho Roxo disse...

nossa, não sei por que eu achei neste texto algumas semelhanças com o mundo corporativo!rs
beijú!

GIL ROSZA disse...

rsrsrs. uma fábula é mesmo universal! Tem a ver sim com o mundo corporativo Camilla, mas na época em que foi escrita (2001) era sobre alianças e pactos que precipitadamente fazemos com base apenas na ansiedade. Às vezes a gente pensa que só porque alguém possui afinidades, está enxergando o mundo do mesmo ponto de vista, até que de repente...

Caderninho Roxo disse...

é...isso acontece muito quando fazemos um negócio com uma parceiro...na hora de fechar a negociação, na ânsia de fechar, cedemos algumas coisas, não olhamos outras e daí quando pintam as diferenças...
e na empresas existe também a figura do Leão (que acabam sendo as grande corporações) e dos Gatos (Médias Empresas) que cismam em fazer negócios juntas e nem preciso te contar quem pode virar pestisco no final da estória...
foi vc que escreveu a fábula?

GIL ROSZA disse...

Bacana isso. Uma hora precisamos conversar mais sobre o mundo corporativo Camilla.
Escrevi a fábula como exrecício duma aula de redação e linguagem na facul.
bjão.

Caderninho Roxo disse...

opa...vamos falar sim...tenho muitas estórias deste "mundo corporativo"...ótima fábula. bjuu