Não conseguir enxergar-se como um ser completo e perceber-se apenas como “metade da laranja” é o drama central do Mito do Andrógino, uma popular fábula grega sobre uma criatura que se sente incompleta e só vê sentido na existência, quando conectada a uma figura externa transformando-se finalmente, numa única criatura que vive num mundo apartado de todo o resto, se alimentando um do outro. É bonito, embora alguns saibam que mesmo numa convivência diária aparentemente satisfatória, a presença física de alguém ao lado, não garante o fim da sensação de se estar só. A crença na ideia de que uma paixão externa é a única coisa que pode fornecer reais motivos para se continuar vivendo é o doce engano cometido por quase todos a vida inteira.
All is full of Love; Björk transa com ela própria e mostra que extrair amor de si mesmo pode não ser tão absurdo quanto parece.
Se a mendicância pela atenção e pelo afeto vindo do outro não fosse tamanha, e se isso não obstruísse os canais de percepção, muito mais pessoas se dariam conta de quanta satisfação poderiam extrair delas mesmas, fornecendo as razões necessárias para quase tudo na vida.
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Ao “desmontar” o mito do Andrógino em Eros e Psiqué, Fernando Pessoa usa no poema o mesmo título de outra conhecida fábula grega para sugerir que o culto ao amor-próprio pode ser satisfatório e determinantemente possível.
5 comentários:
To pensando aqui sobre e não sei... acho que culturalmente ainda somos educadas para barganhar o afeto dum cara romântico, fiel, atencioso, etc, etc, etc... e ter com ele um roteiro “novex” de vida rsrsrs. É utopia, mas a gente quer! Topei fechar (e me arrependi depois) com um cara só porque tava chegando aos 30 e minhas amigas todas tavam casando. Isso é forte rapaz!
Li mais de uma vez. Já conhecia o vídeo e o poema, mas nunca tinha pensado neles numa interpretação assim tão radical, juro! prestando melhor atenção na letra da bjork e no finalzinho do poema, é que entendi que o post. Mto f... Gil.
Gil, mais uma vez, você acertou em seu texto: bem redigido e o tema filosófico e profundo. Eu já conhecia o mito do Andrógino, mas gostei da sua reflexão, da maneira como apresentou-o. Acho que é um tema que merece longa discussão, pois mexe com o âmago de todos nós: a crença em alma-gêmea (nome do senso-comum) e a necessidade do ser humano de sintonia perfeita com o outro.
É complicado pois, mesmo que encontremos satisfação no amor próprio, sempre vamos almejar a extensão desse amor no outro, o encontro com alguém que seja semelhante de alguma forma... Não sei, vou pensar melhor sobre o assunto. Sempre foi uma angústia minha e seu texto serviu de estímulo para pensar a fundo.
Ah, nesta semana dei um curso de Escrita Criativa e usei um texto seu como exemplo de bons textos que são publicados em blogs.
Obrigada pelo comentário no Retalhos e Epopeias (a discussão lá também é complexa!)
Grande abraço
Carolina
Pois é Carol! No meu achismo empírico, acredito que o folhetim e Hollywood é que tem doutrinado o pensamento feminino sobre relacionamentos. São séculos de donzelas na torre, desamparadas que se vêem incompletas sem uma alma gêmea. Na fantasia feminina, esse é o único caminho para “felicidade”. Cito a música da Bjork e Fernando Pessoa, porque acredito em outros caminhos e outras formas de estar suprido.
Talvez a dificuldade que alguns tem para enxergá-los, seja o preconceito ibérico que herdamos, que diz que mulher sem um par é uma mulher maldita. Para o machismo latino, a mulher sem um par só pode ser feia, gorda ou lésbica, quem sabe até as três coisas e por isso tá sozinha. Existe o cristianismo também, que colocou o fardo da culpa nas costas da mulher e determinou que elas precisam dum par masculino pra “purificar” o prazer sexual no próprio corpo. É um peso social tão forte, que algumas talvez prefiram estar mortas que se verem sem a companhia de um par romântico, exatamente como nos finais de novela. Acho que não dá mesmo pra romper com isso, sem virar tabu.
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